O governo apresentou sua proposta para compensar a renúncia associada à desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia e os municípios. Como era de imaginar, o Executivo pretende ampliar as receitas da União sem reconhecer que a medida representa, na prática, um aumento disfarçado de impostos.
É o que propõe a Medida Provisória (MP) 1.227/2024, por meio da qual o governo quer limitar o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas. Enquanto a desoneração custará R$ 26,3 bilhões aos cofres públicos neste ano, a MP editada nesta semana poderá arrecadar até R$ 29,2 bilhões.
Atualmente, as empresas podem utilizar os créditos gerados por essas duas contribuições para abater débitos de outros impostos federais, prática conhecida como compensação cruzada. Com a MP, o uso será restrito a pagamentos relacionados aos próprios tributos PIS e Cofins. Se as empresas optarem por receber os valores em dinheiro, o prazo para pagamento pela Receita Federal será de até 360 dias, a menos que se trate de crédito presumido – que, para o Fisco, representa um benefício fiscal disfarçado e, portanto, não será mais ressarcido.
Emulando a estratégia utilizada no episódio da reoneração, quando editou uma MP em pleno recesso parlamentar, o governo publicou a nova proposta sem avisar previamente os presidentes da Câmara e do Senado, o que surpreendeu e desagradou a ambos. A diferença é que, desta vez, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que estava na Europa para uma reunião com o papa Francisco, não participou da entrevista coletiva sobre a medida.
Para o Ministério da Fazenda, é a “Medida Provisória do Equilíbrio Fiscal”. “É uma medida que onera alguns setores sem aumentar tributos, corrigindo distorções, para compensar esses benefícios que estão sendo dados a várias empresas e a milhares de municípios na outra ponta”, disse o secretário executivo da pasta, Dario Durigan.
A estratégia do governo parece evidente: como seus argumentos contra a desoneração não foram suficientes para convencer o Legislativo sobre o mérito da discussão, o negócio é jogar os setores uns contra os outros. Poderia dar certo, mas, aparentemente, não deu. Nada menos que 27 frentes parlamentares já se uniram para pedir ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que devolva a medida provisória sem analisá-la.
O mais afetado pela MP será o agronegócio, mas há muitos outros segmentos preocupados com as consequências da proposta. Os exportadores, por exemplo, são isentos da cobrança de PIS e Cofins, mas recebem créditos gerados por essas contribuições ao longo da cadeia e não mais poderão utilizá-los.
Prova do improviso da MP foi uma entrevista concedida pela procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida. Ao Estadão, ela reconheceu que os exportadores têm um bom argumento. “Talvez a gente tenha de fazer uma outra alteração no sistema tributário das exportadoras”, afirmou.
O governo, no entanto, acredita ter um trunfo em sua mão: a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin, segundo a qual a desoneração só estará garantida se houver medida compensatória, foi endossada pelo STF. Se o prazo de 60 dias estabelecido pela liminar não for cumprido, a reoneração passa a vigorar de imediato, a não ser que o Congresso encontre, em menos de 40 dias, outra fonte para cobrir a renúncia.
Do imbróglio, conclui-se que o governo vai esgotar todas as possibilidades de aumentar a arrecadação antes de pensar em cortar despesas – se é que um dia o fará. Não se fala em corte de gastos ou redução de despesas estruturais, e quem ousa sugerir medidas nesse sentido é imediatamente desautorizado.
Tomado pelo otimismo do ano passado, quando conseguiu aprovar todo o pacote de medidas para recuperar receitas, o Executivo talvez acredite que essa tática não tenha limites. O problema é que a maior parte do setor produtivo discorda veementemente dessa avaliação, e até mesmo a indústria, que até então podia ser considerada uma aliada do governo, ficou ao lado do agronegócio nessa pendenga. Eis um mérito do governo: unir os desunidos contra si mesmo.