Tornou-se corriqueiro no Brasil o uso de tornozeleira eletrônica por criminosos de colarinho-branco, mas espanta quando quem deveria zelar pela aplicação das leis e da Constituição é afastado da toga e passa a circular com o aparelho. Pois esta é a situação à qual foram submetidos de uma só vez cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) em meio a uma investigação da Polícia Federal (PF) sobre um suposto esquema de venda de sentenças. Se são culpados ou inocentes, só o devido processo legal, com amplo direito de defesa, poderá dizer mais à frente. O constrangimento, contudo, é imediato.
A Operação Ultima Ratio mira magistrados e seus parentes, servidores, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MS) e advogados. A ordem para o afastamento partiu do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão, e os litígios envolvem disputas de terra. O celular de um advogado que era conhecido como “lobista dos tribunais” e que foi assassinado no fim do ano passado levou à investida da PF. Dele foram recuperados 5 mil diálogos, com potencial para deflagrar uma grande crise.
Essa rede teria ramificações interestaduais. A operação da PF é desdobramento de uma investigação no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), onde dois desembargadores e um juiz de primeira instância já haviam sido afastados. Há ainda citação a um ministro do STJ, e já houve afastamento de servidor da Corte. O caso também corre no Supremo Tribunal Federal (STF), e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu procedimentos.
A operação encontrou R$ 3 milhões em dinheiro na casa de um desembargador aposentado do TJ-MS, e os diálogos revelam, ao que parece, relações promíscuas. Um advogado diz que há um “leilão danado”, em que “cada um quer mais que o outro”, o que, para a PF, indica propina. Uma servidora dá a entender que o esquema era conhecido, haja vista que “todo mundo fala: ‘ai, não sei como que o CNJ não pega, a Polícia Federal não pega’”.
Apesar de certamente não representarem a maior parte do Judiciário, casos como o de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso não são isolados. Suspeitas já alcançaram magistrados da Bahia, do Tocantins, do Rio de Janeiro e de São Paulo, a despeito do fato de que os juízes já são muito bem remunerados. Em Mato Grosso do Sul, o tribunal que paga melhor no País, os afastados receberam neste ano mais de R$ 1 milhão cada. Nenhum deles embolsou em um mês menos do que R$ 81,3 mil, fazendo troça do teto constitucional de R$ 44 mil.
A nata da magistratura do Brasil ganha 15 vezes mais que o rendimento médio dos brasileiros. Como se isso não fosse suficiente, os magistrados são especialistas em encontrar maneiras de ganhar ainda mais, com todo tipo de auxílios e gratificações sobre os quais não incide Imposto de Renda. Além disso, diferentemente do resto dos mortais brasileiros, têm 60 dias de férias e aposentadoria integral. E quando são pilhados em malfeitorias, são “punidos” com aposentadoria compulsória – ou seja, terão a infelicidade de ganhar sem trabalhar pelo resto da vida. Mas, ao que parece, para alguns juízes isso não basta.