Quando falava sem pensar, abrindo sua famosa “torneirinha de asneiras”, Emília ainda tinha a desculpa de ser só uma boneca de pano. Diferentemente da personagem de Monteiro Lobato, no entanto, o petista Lula da Silva precisa medir as palavras, porque é presidente da República, e tudo que um presidente diz afetará a vida muito além do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Mas Lula, sem saber o que dizer ou como se comportar diante da crise deflagrada pelo seu companheiro Nicolás Maduro, ditador da Venezuela que, ora vejam, age como ditador, resolveu rivalizar com Emília na capacidade de proferir asneiras.
Para Lula, o governo de Maduro “não é uma ditadura”, e sim “um regime muito desagradável”. De fato, é bastante “desagradável” para quem ousa discordar de Maduro. Os muitos presos políticos, os jornalistas perseguidos e os milhões de exilados também acham tudo muito “desagradável” na Venezuela de Maduro. Se Lula procurar bem, encontrará ditaduras muito menos “desagradáveis” do que o regime chavista da Venezuela.
Lula, recorde-se, é aquele que havia dito que nada de “grave” ou “anormal” se passou nas eleições venezuelanas, escandalosamente roubadas pelo ditador companheiro. Agora, o petista flerta com ideias estapafúrdias como a realização de “novas eleições” ou então um “governo de coalizão”.
Ora, uma coisa é empreender esforços diplomáticos para evitar um banho de sangue na Venezuela, e outra, muito diferente, é ofender a inteligência alheia e a oposição venezuelana – que venceu democraticamente a eleição a despeito de toda a truculência chavista. Como comentou um site humorístico venezuelano, El Chigüire Bipolar, “o Brasil propõe repetir as eleições até que Maduro vença”.
Além de até hoje não ter divulgado as atas eleitorais que provariam que Maduro realmente prevaleceu nas urnas, o regime venezuelano segue escalando ações contra a oposição, encarcerando milhares de pessoas, ou contra quem apresente evidências de que o processo eleitoral foi fraudado. Em resposta a um relatório da ONU que conclui que a Venezuela não cumpriu requisitos básicos de “transparência e integridade”, o presidente da Assembleia venezuelana, Jorge Rodríguez, do mesmo partido de Maduro, classificou o documento de “lixo” e ameaçou proibir a presença de observadores estrangeiros em futuras eleições.
Tal reação já demonstra o quanto a ideia de uma nova eleição, soprada no ouvido de Lula pelo assessor especial da Presidência, Celso Amorim, é, digamos, exótica. Ora, nenhuma eleição sob o regime delinquente de Maduro jamais será limpa e justa. As realizadas até aqui, comumente festejadas pelos petistas como prova do vigor da “democracia” na Venezuela chavista, tampouco foram limpas e justas, mas nunca foi necessário roubar no resultado, porque de fato a oposição perdeu na contagem de votos. Agora que a oposição obviamente ganhou, Maduro se viu obrigado a roubar a eleição. E o fará quantas vezes forem necessárias para permanecer no poder, como já devia estar claro para todos.
O fato é que o governo lulopetista foi pego de surpresa com o desfecho da eleição. Assim como o regime de Maduro esperava ganhar o pleito com facilidade, como aconteceu no passado, graças ao controle total sobre o processo eleitoral, à censura generalizada e à violência política contra a oposição, Lula provavelmente também contava com a vitória do companheiro. Não havia plano alternativo para o caso de Maduro fraudar a eleição tão descaradamente.
É por isso que Lula anda balbuciando frases desconexas ao abordar a crise. “Tem várias saídas”, disse o presidente, ignorando o fato de que “saída”, mesmo, só tem uma: Maduro reconhecer que perdeu a eleição. Mas a natureza de Lula sempre fala mais alto: para o petista, basta que Maduro faça um “governo de coalizão” ou “uma composição”. Afinal, “muita gente não votou em mim e eu trouxe todo mundo para o governo”. Ora, se Maduro perdeu a eleição, não é ele quem tem de fazer um “governo de coalizão”, e sim o vencedor da eleição, que é da oposição.
É o caso de perguntar a Lula se ele aceitaria participar de uma nova eleição ou de um “governo de coalizão” com Jair Bolsonaro, caso este fraudasse a eleição de 2022 e permanecesse à força na Presidência. Obviamente sabemos a resposta.