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Tragédia previsível

Ocupação urbana em áreas de risco aumentou três vezes no País, prenunciando mais mortes evitáveis

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Por Notas & Informações
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Deslizamentos, casas soterradas e vidas perdidas: eis um trágico roteiro que se repete em cidades brasileiras na época das chuvas, no verão. Por maior que seja a intensidade dos temporais, porém, não há nada de natural no tamanho nem na frequência dos desastres. Menos ainda na quantidade de mortos. Como se sabe, é a ocupação de áreas de risco, geralmente nas encostas de morros, que abre caminho para a posterior destruição pelas enxurradas. O problema se agravou nas últimas décadas: como noticiou o Estadão, imagens de satélite mostram que aumentou três vezes o conjunto de áreas de risco ocupadas no País, no período de 1985 a 2021, com ritmo ainda mais acelerado em favelas, onde esse crescimento foi de 3,4 vezes.

Os dados acabam de ser divulgados pelo MapBiomas, uma rede formada por universidades, organizações não governamentais da área ambiental e empresas de tecnologia. O mapeamento traz inúmeros recortes sobre a situação territorial das cidades brasileiras, reunindo informações preocupantes que, desde já, deveriam orientar ações preventivas por parte das prefeituras, dos governos estaduais e da União. Não só das respectivas defesas civis, mas também dos órgãos responsáveis pelo planejamento urbano − algo de que a maioria dos municípios no País carece enormemente.

A rotina de deslizamentos em áreas de risco, é de lamentar, constitui uma tragédia anunciada. De acordo com o estudo do MapBiomas, 887 cidades no País tinham moradores em áreas de risco no ano passado; 20 delas concentravam 36% da urbanização em áreas de risco registradas no período de 1985 a 2021. São Paulo (SP) é a quarta da lista, atrás de Salvador (BA), Ribeirão das Neves (MG) e Jaboatão dos Guararapes (PE). 

O mapeamento revela também a expansão de favelas ou áreas informais, que se estenderam por 106 mil hectares − as imagens de satélite captaram a existência de favelas em 738 municípios do País. Um dado extremamente grave dá conta de que 15% dessa expansão se deu em áreas consideradas de risco. Ao divulgar o estudo, o MapBiomas enfatizou que, a cada 100 novos hectares ocupados por favelas nas últimas décadas, 15 hectares estão em locais sujeitos aos desastres naturais. De novo, é uma tragédia previsível − que, vale insistir, pode ser evitada se o Poder Público agir antecipada e preventivamente.

Questões estruturais, claro, precisam ser enfrentadas a começar por uma política habitacional. A presença de moradores em locais de risco reflete, em larga medida, a inexistência de políticas públicas e a negligência de governos ao não atenderem ao direito fundamental à moradia. Programas habitacionais devem incluir ainda a oferta de saneamento básico e transporte. Em paralelo, é preciso fiscalizar a ocupação do solo e tomar medidas preventivas contra deslizamentos. O estudo do MapBiomas fornece números e endereços a respeito da expansão urbana e da ocupação de áreas de risco nas cidades do País. O Brasil não está condenado a conviver com desastres que, na verdade, são evitáveis. Já passou da hora de agir.