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Tragédia que não chama a atenção

O caos no Sudão, negligenciado pelo mundo, pode deflagrar uma guerra regional

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Por Notas & Informações
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Em 2006, milhares de pessoas em Washington protestaram com celebridades e políticos contra o genocídio em Darfur, no Sudão, perpetrado pelo ditador Omar al-Bashir contra etnias não árabes. “Se nos importarmos, o mundo se importará”, disse o então senador Barack Obama. Seu colega Joe Biden instou a intervenção da Otan. O Conselho de Segurança da ONU impôs embargos e sanções, o Tribunal Penal Internacional deu ordem de prisão a Bashir, a ONU e a União Africana despacharam uma força de paz. Hoje, a história está se repetindo, mas o mundo dá as costas ao Sudão.

As crises humanitárias na Ucrânia ou em Gaza são pavorosas, mas, dadas as suas implicações geopolíticas, atraem os holofotes planetários. Já a pior e mais desesperada das crises em 2024, e que deve se agravar em 2025, passa despercebida.

Desde a independência, em 1956, o Sudão sobrevive a ciclos de golpes e guerras civis, incluindo a que o fracionou, criando o Sudão do Sul, em 2011. Após uma revolta popular ter derrubado Bashir em 2019, o país entrou numa rota tênue para a democracia. Mas em 2021, as Forças Armadas do Sudão (SAF) e o grupo paramilitar Forças de Suporte Rápido (RSF) tomaram o poder do governo civil de transição. A deterioração dessa parceria se intensificou até explodir numa guerra civil, em 2023.

Estima-se que até 150 mil tenham morrido, 12 milhões tenham se deslocado e 3,2 milhões, fugido do país. Quase 80% dos hospitais não estão funcionando. Metade da população, 25 milhões, precisa de socorro humanitário; 750 mil estão à beira da inanição. Ambos os lados são acusados de bloquear auxílio humanitário e de saques, estupros e execuções de civis. A RSF, dissidente das milícias de Bashir, já praticou limpeza étnica e dá sinais de que iniciará – se já não iniciou – outro genocídio em Darfur, caso conquiste as últimas fortalezas da SAF na região.

“O pior dos cenários no Sudão é uma versão de 20 a 25 anos da Somália com esteroides”, disse Tom Perriello, o enviado especial dos EUA, à revista Foreign Policy, referindo-se ao país africano que se tornou sinônimo de catástrofe humanitária. “A velocidade com que esse conflito pode ir de uma guerra entre dois lados para sete ou oito lados, sugando países vizinhos” pode torná-la “ainda pior que uma Líbia 2.0″, em referência a outro país africano que está em guerra civil desde 2014.

Egito e Arábia Saudita apoiam a SAF, que tem estreitado laços com Irã e Rússia. A RSF é apoiada pelos Emirados Árabes e pelo vizinho Chade, e emprega mercenários russos. Os piores problemas da África podem infectar o Oriente Médio e vice-versa.

Um cessar-fogo não está no horizonte, mas pode despontar com mobilizações entre esses apoiadores, dos quais depende a ajuda humanitária. Será preciso desenhar sanções especialmente duras para a RSF em Darfur. A guerra civil pode se tornar uma guerra regional. A degradação do controle do narcotráfico, as pressões migratórias e novos refúgios para terroristas islâmicos teriam impacto global.

Na revolução de 2019, protestos em todo o mundo repetiam um canto: “Não são as balas que o povo do Sudão teme, é o silêncio do mundo”. Esse silêncio já é cúmplice de muitas mortes e, caso se perpetue, imporá um custo brutal à África e a todo o mundo.