“A emergência de saúde pública de preocupação internacional”, declarou o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, “acabou.” Ou seja, estamos a um passo do fim da pandemia, algo que, há três anos, parecia tão distante.
Por três anos as mensagens inspiracionais viralizaram: “Estamos todos juntos!”. Unidos em espírito, mas segregados em nossas casas, tememos juntos por nossas vidas e as de nossos entes; choramos a morte de 7 milhões de pessoas (a OMS estima que possam ser 20 milhões); acompanhamos a batalha dos médicos, enfermeiros e dos que se arriscaram para prestar serviços essenciais; aprendemos a nos proteger do vírus e da desinformação; adaptamo-nos ao trabalho remoto; clamamos aos governos por auxílio aos desvalidos; testemunhamos a aventura da ciência em busca da vacina; e demos os primeiros passos para fora de casa.
Mas, agora que as máscaras caíram em desuso, as portas se abriram e voltamos às ruas e o trânsito caótico das cidades já voltou aos níveis pré-pandêmicos, cabe a pergunta: estamos mesmo todos juntos? A resposta é crucial para enfrentar os danos colaterais – econômicos, sociais e humanos – da pandemia.
As desigualdades aumentaram – saberemos redesenhar os contratos sociais para não deixar ninguém para trás? Os governos assumiram poderes extraordinários – saberão renunciar a eles? Crianças foram impactadas em suas emoções e aprendizagem – saberemos evitar mais uma geração perdida? A digitalização avançou 30 anos em 3 – saberemos construir um mundo virtual livre, inclusivo e que não se preste a explorar à exaustão os trabalhadores menos preparados? A filantropia viveu um surto – saberemos consolidar uma cultura de genuína solidariedade?
Ou deciframos esses enigmas ou eles nos devorarão. As respostas serão decisivas para enfrentar o maior desafio legado pela covid. Estamos todos juntos num mundo ameaçado por novas doenças. É incerto o que virá, quando, onde ou como, mas a única certeza é que virá. Não podemos impedir todas as pandemias, mas podemos nos preparar adequadamente para elas, de três modos: reduzindo o risco do surgimento de um novo patógeno; se ele surgir, impedindo sua disseminação; e, se ele se globalizar, desenvolvendo vacinas e tratamentos o mais rápido possível.
Há cerca de 1,6 milhão de vírus no planeta em mamíferos e pássaros e todos os anos surgem novos. Muito dessa “matéria escura viral” escapa ao nosso controle, mas podemos reduzir os riscos, por exemplo, aliviando pressões ambientais, como o desmatamento ou o tráfico de animais.
O mundo precisa desenvolver um sistema de vigilância viral e um protocolo de isolamento caso um surto seja detectado. Tudo isso deve estar previsto nos orçamentos de todos os países. Se se tornar pandêmico, a Coalizão para Inovações na Preparação de Pandemias, uma parceria entre governos e instituições civis, propõe uma “missão de 100 dias” para desenvolver uma vacina, sustentada em quatro pilares: arquivos de vacinas prototípicas; testes clínicos rapidamente mobilizáveis; busca de marcadores biológicos que indiquem respostas imunológicas; e estabelecimento de instalações de biomanufatura para produzir os imunizantes em escala.
Pandemias são, por definição, ameaças globais. O combate a elas e a seus efeitos só será eficaz com cooperação global. Não há tempo a perder. O próximo patógeno pode ser mais contagioso e letal, e pode estar saltando de um animal ou tubo de ensaio para um humano neste exato momento.
Quem sobrevive ao fim de uma tragédia, diz Aristóteles, é purificado pela catarse do medo e da compaixão. Essa tese será testada em escala planetária. O mundo que emerge da pandemia será mais solidário ou mais egoísta? Saberá mitigar os impactos colaterais da pandemia? Estará preparado para a próxima? Confiará na ciência ou se deixará levar pelo encanto do charlatanismo negacionista? Ninguém pode prever as respostas, mas todos podem fazer sua parte para que o mundo faça as escolhas certas, mitigando os danos econômicos e, sobretudo, poupando tantas vidas quanto possível.