Na quarta-feira, a Ucrânia, seus aliados europeus e o mundo souberam, por meio de uma postagem nas redes sociais, que Donald Trump teve uma “conversa longa e altamente produtiva” com o presidente russo Vladimir Putin sobre energia, Oriente Médio, inteligência artificial, a “Grande História de nossas Nações”, suas virtudes e seu combate contra o nazismo. Ambos prometeram visitar um ao outro. Mas, primeiro, iniciarão negociações para pôr fim à guerra “imediatamente”.
Em três anos de guerra, o agressor, Putin, sofreu sanções e recriminações como um pária. Quanto ao campo da batalha, os aliados da Ucrânia repetiam em coro o mantra “até onde for necessário”. Isso significava não necessariamente uma “vitória total”, mas que Kiev receberia recursos para se defender, avançar onde possível e entrar com mão forte numa eventual negociação, o que levava ao outro mantra, no campo diplomático, “nada sobre a Ucrânia sem a Ucrânia”. Num telefonema, tudo isso foi pelos ares.
Trump escanteou Kiev e os europeus como coadjuvantes, e agora EUA e Rússia conduzirão negociações bilaterais. Mas, antes mesmo delas, suas relações já começaram a se normalizar e Washington anunciou concessões. Na Europa, o secretário de Defesa norte-americano, Pete Hegseth, disse que a restauração da integridade territorial da Ucrânia é “irrealista”, que ela não integrará a Otan e que qualquer acordo de paz não será assegurado por forças americanas ou da Otan, mas por tropas europeias. Trump não só não disse nada sobre indenizações da Rússia pela agressão, como sugeriu que a Ucrânia deve compensar com minerais os gastos dos EUA.
Putin também tem seus mantras. O principal é que o fim da União Soviética foi “a maior catástrofe geopolítica do século 20”. Seu objetivo de vida é reconstruir o Império Russo. A Ucrânia é só uma batalha nesta guerra. O plano inicial de captura falhou miseravelmente, mas três anos depois Putin está mais próximo do que nunca de seus objetivos imediatos: alijar a Ucrânia da Otan, emasculá-la militarmente, reduzir a presença militar do Ocidente na Europa oriental e projetar uma esfera de influência na Europa ocidental – como a da URSS após a conferência de Yalta no fim da Segunda Guerra. A médio prazo, o expansionismo avançará instalando mais regimes fantoches ou capturando territórios. Serviços de inteligência de todo o Ocidente alertam que a Rússia está reestruturando suas capacidades militares e terá condições de mover uma guerra em larga escala contra a Otan em cinco anos.
Os falcões russos estão eufóricos com o telefonema. “Deve ser muito difícil para a Europa e a Ucrânia ouvirem isso. Mas sua opinião já não importa”, disse Konstantin Malofeyev, um magnata que coordena batalhões na Ucrânia. “A Ucrânia é só o pretexto para um grande diálogo entre dois grandes países sobre o começo de uma nova era na história humana.”
Esta “nova era” ameaça todos os países cuja segurança e prosperidade dependem há 70 anos de uma ordem global baseada em regras. Se os EUA lideraram a construção dessa ordem cuja desconstrução promovem agora, não foi por mero altruísmo, mas por entenderem que facilitar a cooperação e o crescimento compartilhado seria um jogo de soma positiva. Quando as lideranças dessa ordem decidiram defender a Ucrânia, foi por entenderem que a Ucrânia estava defendendo essa ordem. Mas, agora, Putin (e com ele aliados como China, Irã ou Coreia do Norte) está levando a melhor.
A hipótese benigna para a pressa de Trump em um armistício a qualquer custo é que ele genuinamente quer um fim à matança dessas “pessoas jovens e lindas”. Mais realista é que ele queira se livrar de um estorvo na Europa e se concentrar na disputa com a China. Mas, plausivelmente, a razão mais profunda é mesmo seu ego: Trump quer associar o fim da guerra à sua imagem pessoal. Seja como for, nos moldes em que está sendo plasmada, esta “paz para o nosso tempo” (ecoando as palavras do premiê britânico Neville Chamberlain para justificar a tentativa de apaziguar Hitler em 1938, com resultados conhecidos) virá ao custo de novas guerras, dos interesses dos EUA, e da segurança e prosperidade do mundo democrático.