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Tumores no Orçamento público

PL para emendas parlamentares é ilusionismo para mantê-las nas sombras, e obras fantasmas ou superfaturadas identificadas pela CGU dão uma amostra do que se quer esconder

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Por Notas & Informações
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Todo poder emana do povo. Todo dinheiro também. É direito elementar dos cidadãos saber quem gasta os recursos públicos, onde e como. Mas seus representantes se comportam como se fossem donos do Estado e a prestação de contas fosse só uma concessão inconveniente.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a execução das emendas parlamentares (verbas da União destinadas por congressistas a Estados e municípios) até a adoção de mecanismos que garantam sua transparência e rastreabilidade. Logo depois, representantes dos Três Poderes firmaram um acordo traçando diretrizes para esses mecanismos. No início do mês, a Câmara aprovou um projeto de lei que agora foi aprovado pelo Senado com alterações menores e ainda sem os destaques que podem mudar o texto final.

Consultores do Senado analisaram em que medida o projeto atende às exigências do STF e às diretrizes do acordo. A conclusão é devastadora. A proposta não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas por essas duas fontes normativas: de 14 parâmetros identificados, só 3 serão atendidos, e, ainda assim, dois já constam das regras vigentes.

A nota observa que restam desatendidas as “duas lacunas fundamentais” apontadas nas decisões do Supremo: a identificação da autoria das emendas coletivas (de comissão e de bancada) e o destino das transferências especiais.

As emendas de comissão se tornaram sucessoras do chamado “orçamento secreto”, declarado inconstitucional pelo STF. Em teoria, esses repasses são votados coletivamente. Na prática, são negociados pelos caciques do Legislativo, e os reais patrocinadores são desconhecidos.

Pelo projeto, todo o processo decisório seguirá oculto. Além disso, pelas diretrizes do acordo, estas emendas deveriam ser destinadas a projetos de interesse nacional, definidos de comum acordo por Executivo e Legislativo, mas a proposta permite que praticamente toda a alocação seja classificada como “interesse nacional”.

As transferências especiais (“emendas Pix”) são repasses aos caixas dos entes subnacionais para que seus governantes gastem como bem entenderem. Neste caso, sabe-se qual congressista destinou os recursos, mas não para qual finalidade.

Pelas diretrizes acordadas, esses repasses deveriam estar condicionados à priorização de obras inacabadas; apresentação prévia por parte dos beneficiários de plano de trabalho e informações sobre onde, como, quando e por que os recursos serão empregados; e, por fim, prestação de contas ao Tribunal de Contas da União. Nenhum dispositivo atende a essas exigências.

Em outras palavras, o projeto é puro ilusionismo, areia nos olhos dos cidadãos para manter tudo como está. E este “tudo” não é pouca coisa. São cerca de R$ 50 bilhões, um quarto das despesas discricionárias da União, uma proporção sem paralelo no mundo.

A Controladoria-Geral da União (CGU) tem oferecido biópsias deste corpo podre. Uma auditoria com as dez ONGs que mais receberam emendas desde 2020 constatou que sete não tinham estrutura para executar os serviços. Dos R$ 300 milhões empenhados, R$ 15 milhões foram desviados ou desperdiçados por problemas que vão de superfaturamento a gastos não previstos nos projetos.

Outra auditoria com os 30 municípios que mais receberam emendas entre 2020 e 2023 mostrou que 39% das obras não foram iniciadas e 5% estão paralisadas. São apenas pequenas amostras do grau de degradação a que está submetido o Orçamento público. Isso sem falar dos danos à governabilidade e à competição eleitoral.

A decisão do STF se restringe quase que exclusivamente a exigir transparência nos repasses. Mas o fato de que nem isso os congressistas estão conseguindo, ou melhor, querendo entregar, sugere que o buraco pode ser mais embaixo do que se imagina.

Do modo como estão sendo traficadas, as emendas ofendem não só o princípio da publicidade, mas, em algum grau, todos os outros princípios constitucionais da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência. Longe de reverter estas ofensas, o Parlamento as está sacramentando sob uma espessa cortina de fumaça. Mas – espera-se – ainda há juízes em Brasília.