Aprovada na Câmara dos Deputados, a infame PEC da Anistia – Proposta de Emenda à Constituição que livra os partidos de multas por violações a regras eleitorais – chegou ao Senado levando consigo a natural indignação da sociedade, por inscrever na Constituição um acintoso perdão autoconcedido por políticos de todas as colorações ideológicas.
Provavelmente ciente da profunda impopularidade da medida, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já afirmou que não haverá “açodamento” na análise do texto, isto é, a PEC será debatida por comissões da Casa, para só então ser levada ao plenário. Ora, isso não muda a essência da desfaçatez: o problema nunca foi do rito, e sim do mérito. A PEC é uma afronta a todos os eleitores, sem exceção, e continuará sendo mesmo que haja “debates” antes de sua eventual aprovação.
Pacheco parece encenar um distanciamento dessa farra. Segundo o presidente do Senado, a PEC da Anistia, que deixou os presidentes de partidos “muito entusiasmados”, partiu da Câmara. Essa euforia mostra as agremiações totalmente desconectadas das reais aspirações dos eleitores que elas deveriam representar.
Pelo texto aprovado com uma coesão invejável na Câmara – capaz de unir os antípodas PT e PL –, a Constituição será modificada para que os partidos possam refinanciar em até 15 anos os seus débitos, sem cobrança de juros e multas; terão até cinco anos para quitar obrigações previdenciárias; poderão usar verba pública dos fundos eleitoral e partidário para pagar as multas, incluindo aquelas decorrentes do uso de recursos de “origem não identificada” – o popular caixa dois; e, de bônus, terão ampliada a imunidade tributária. Mas não é só isso.
As agremiações serão perdoadas pelo descumprimento das cotas de candidaturas de negros e mulheres. Os valores não aplicados em pleitos passados poderão ser compensados nas próximas quatro eleições, mas há fundadas razões para crer que, nesse período, outra anistia virá em socorro dos partidos que não cumprirem nem mesmo essa singela obrigação.
As legendas destinarão, ainda, 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidaturas de negros, mas um único candidato ou uma única região poderá concentrar o dinheiro. Hoje, por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), essa verba deve ser dividida entre os postulantes de forma proporcional.
No mundo político, há pressa. Questionado sobre por que a PEC tramita no Congresso neste momento, o relator do texto na Câmara, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), afirmou que “qualquer hora é hora”, deixando claro que se trata de projeto prioritário. A ideia é que as mudanças já valham nas eleições deste ano.
Segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), havia uma promessa feita a líderes e presidentes de partidos de que Rodrigo Pacheco abraçaria essa causa. Lira, que colocou a PEC em votação no plenário sem que o texto tivesse recebido aval em comissão especial, já reconhece o incômodo da proposta. Em entrevista à CNN Brasil, o deputado afirmou que nem ele nem ninguém “fica satisfeito em discutir uma matéria que cause esse desconforto”. Se “desconforto” houve, contudo, não parecia: registrou-se acachapante votação a favor da PEC, com as honrosas exceções do PSOL e do Novo.
Agora, ao que tudo indica, há um clima de constrangimento no Congresso. No Senado, uma espécie de operação-padrão já está em curso. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil), empurrou a análise da proposta para agosto, quando os parlamentares voltarão ao trabalho.
A questão é que, se agora provoca mal-estar no meio político, é porque a natureza indecente da PEC da Anistia mal pode ser escondida. É de Rodrigo Pacheco o poder sobre a pauta do Senado. Manda a decência que a proposta seja engavetada ou desfigurada, para ao menos torná-la menos obscena.