O governo Lula da Silva ficou incomodado com o novo apelido que o ministro Fernando Haddad ganhou nas redes sociais. A disposição do ministro da Fazenda em encontrar formas de aumentar a arrecadação da União transformou Haddad no personagem “Taxad”, que proliferou na internet na forma de “memes” – sátiras típicas do mundo virtual.
Tudo começou há cerca de uma semana, com a perspectiva de que as compras realizadas por meio das plataformas estrangeiras de até US$ 50 passassem a recolher Imposto de Importação de 20% já a partir de 1.º de agosto. A cobrança, que ficou conhecida como “taxa das blusinhas”, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula da Silva no fim do mês passado.
O desgaste associado à medida era mais do que esperado, mas talvez o que tenha surpreendido o governo tenha sido o deboche com que o tema foi tratado nas redes sociais. “Memes” não carecem de produção caprichada para viralizar e se disseminam com rapidez não apenas porque são engraçados, mas porque são facilmente compreendidos – e, principalmente, porque têm a capacidade de traduzir o estado de espírito predominante de boa parte da população.
A AP Exata Inteligência Digital contabilizou nada menos que 540 “memes” diferentes sobre o ministro na última semana. Na maioria deles, o rosto do ministro é sobreposto em banners de filmes, séries, programas televisivos e desenhos animados como um vilão, um super-herói ou um personagem do universo pop disposto a taxar o que vê pela frente. As imagens romperam os muros da polarização política que domina as redes sociais e foram compartilhadas à direita e à esquerda.
O governo demorou para se dar conta do fenômeno e optou por respostas tão destrambelhadas quanto ineficazes. Depois de ignorar a piada, passou a refutá-la com argumentos supostamente técnicos, enquanto a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atribuiu a bolsonaristas a autoria dos “ataques mentirosos” – o que não é verdade.
Além de ser falsa, a acusação de Gleisi e de outros petistas dispensa o governo de refletir sobre as razões pelas quais o apelido “Taxad” pegou. A principal delas decerto é o fato de que o Estado brasileiro já é obeso e glutão, ostentando uma das maiores cargas tributárias do mundo, e em troca entrega aos contribuintes um serviço público ineficaz em áreas críticas, como saúde, educação e segurança pública.
A melhor resposta do governo seria lançar uma discussão séria sobre uma reforma administrativa que fosse além da questão do custo do funcionalismo público. É preciso debater a dimensão do Estado em relação às reais necessidades dos cidadãos, sobretudo dos mais pobres, hoje dependentes de caraminguás transferidos pelo Bolsa Família e com escassas perspectivas de futuro. Lula da Silva deveria ser o primeiro interessado em liderar esse debate, porque um Estado bem desenhado e financiado daria a essa multidão de brasileiros pobres as condições mínimas e a tranquilidade necessárias para buscar, por suas próprias forças, seu lugar ao sol.
Se o custo do Estado para os cidadãos é uma questão que transcende governos, o chiste com o “Taxad” ganhou força porque este governo investe toda a sua energia em “recuperar a base fiscal” – que nada mais é do que um eufemismo para aumentar impostos. Este, aliás, é o cerne do arcabouço fiscal que o governo propôs e que ensaia descumprir a todo o momento porque resiste a cortar gastos, mesmo os mais controvertidos, como as emendas parlamentares e os privilégios da elite do serviço público.
O governo, por sinal, ainda não desistiu dessa estratégia, a despeito de o Senado ter devolvido, em junho, trechos de uma medida provisória que, na prática, iria aumentar a arrecadação. Foi um claro sinal de que essa agenda atingiu um limite, e não surpreende que essa percepção tenha saído do espaço sisudo do Legislativo e chegado à internet com alguma dose de humor. Em ambos os ambientes, o incômodo do governo só revela teimosia e incompreensão.