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Um curioso conceito de autonomia

Em aparente contradição, Lula da Silva celebra Galípolo e louva a autonomia do Banco Central, deixando implícito esperar um BC autônomo em relação ao mercado financeiro, e não a seu governo

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Por Notas & Informações
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O presidente Lula da Silva gravou um vídeo no qual se regozija pelo presente que acredita ter dado ao Brasil. “Esse jovem chamado Galípolo está assumindo a presidência do Banco Central” (BC), disse ele, ao lado de um embevecido Gabriel Galípolo, que substituirá Roberto Campos Neto a partir do início do ano que vem, e dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, do Planejamento, Simone Tebet, e da Casa Civil, Rui Costa.

Obra do marqueteiro Sidônio Palmeira, cotadíssimo para ocupar a Secretaria de Comunicação Social, a constrangedora peça foi gravada no contexto de piora das expectativas sobre a economia brasileira, em especial o dólar, que superou a marca de R$ 6,00 nas últimas semanas e dá sinais de que assim permanecerá nas próximas em razão do desarranjo fiscal.

Mas, se o vídeo era uma tentativa de acalmar o mercado, Sidônio conseguiu, mais uma vez, produzir efeito oposto ao desejado. “Eu quero que você saiba que você está aqui por uma relação de confiança minha e de toda a equipe de governo, e eu quero te dizer que você será certamente o mais importante presidente do Banco Central que este país já teve porque você vai ser o presidente com mais autonomia que o Banco Central já teve”, afirmou Lula da Silva.

Ora, não se pode ser mais ou menos autônomo: ou o Banco Central é autônomo ou não é. Em segundo lugar, se é preciso gravar um vídeo para reafirmar algo que a lei já prevê, é somente porque a autonomia não parece assegurada. E, em terceiro lugar, seria importante entender o que Lula da Silva entende por autonomia – e, sobretudo, em relação a quem o BC deve ser autônomo, segundo seu pensamento.

Lula nunca escondeu o incômodo com o modelo estabelecido em lei, que garantiu mandato fixo de quatro anos não coincidentes com o mandato da Presidência da República. Não foram poucas as ocasiões em que ele deixou claro o quanto lhe desagradava ter de lidar com Campos Neto, uma indicação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

E o contexto no qual Galípolo foi alçado ao cargo não poderia ser mais adverso. Diante da piora do quadro fiscal, o Comitê de Política Monetária (Copom) voltou a elevar a taxa básica de juros para 12,25% em dezembro e sinalizou que elevará a Selic a 14,25% em março.

Para Lula da Silva, é tudo culpa de Campos Neto, que boicota as realizações de seu governo. Galípolo, no entanto, não protestou contra a orientação futura dada por meio das atas das reuniões do BC. Pelo contrário: até agora, fez questão de destacar seu apego à comunicação oficial, o que, em tese, o colocaria em rota de colisão com Lula da Silva.

A resposta para essa aparente contradição está no voto de confiança que o petista depositou no chamado “menino de ouro” do BC. “Eu tenho certeza de que, pela sua qualidade profissional, experiência de vida e compromisso com o povo brasileiro, certamente você vai dar uma lição de como é que se governa o BC com verdadeira autonomia”, afirmou.

Sua esperança, portanto, não é que Galípolo seja autônomo em relação ao governo, mas sim em relação ao mercado. Declarações anteriores de Lula da Silva reforçam a impressão de que o petista tem a expectativa de que o futuro presidente do BC não hesite em tomar decisões que desagradem aos investidores – leia-se reduzir a Selic, ignorando a gastança do governo e seus efeitos inflacionários.

Para não restar dúvidas sobre o que Lula da Silva realmente pensa, basta observar o comportamento de algumas lideranças do partido no Congresso. Ao jornal Valor, o futuro líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), deixou claro que o partido mudará radicalmente de posição em relação ao Banco Central. Isso acontece porque, segundo o deputado, a partir de agora o PT terá influência “na política cambial, monetária e fiscal”.

Se a orientação futura dada pelo Copom na última reunião havia garantido algum alívio a Galípolo nos primeiros meses à frente do BC, o vídeo de Lula da Silva não ajudou muito a expectativa de uma transição suave após a saída de Campos Neto. A pressão mal começou, e resta saber se o futuro presidente do BC sucumbirá ou resistirá a ela.