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Um dia na vida dos sindicalistas de toga

Responsável por fiscalizar os juízes, novo corregedor de Justiça se preocupa com ‘pauta remuneratória’ dos colegas, em um discurso alinhado com o corporativismo que capturou o CNJ

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Por Notas & Informações
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O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell acabou de tomar posse como corregedor nacional de Justiça. No novo cargo, o ministro terá de cuidar de correições, inspeções, reclamações e denúncias contra magistrados, mas, em seu primeiro discurso, demonstrou bastante aflição mesmo com as reivindicações salariais de seus colegas.

Na presença de altas autoridades da República, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Campbell expôs preocupações corporativistas, embora os juízes brasileiros estejam entre os servidores mais bem pagos da elite do funcionalismo. O novo corregedor disse que a carreira tem “pautas remuneratórias ingentes e que precisam ser equacionadas como forma de conter a perda de bons quadros”.

Esse alarmismo, digamos assim, denota uma gravidade inexistente. Primeiro, porque não há notícia de abandono em massa dos postos. Segundo, porque, em meio a tantas demandas do funcionalismo, não são as do Judiciário as mais urgentes do País. Não é novidade que a magistratura é uma das carreiras com mais privilégios, estampados frequentemente no noticiário com a alcunha de “penduricalhos”.

E é por isso que o Judiciário pesa bastante nos Orçamentos da União e dos Estados. Vale lembrar que, de acordo com o relatório Justiça em Números, do próprio CNJ, os gastos com esse Poder equivalem a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto que o valor médio é de 0,3% do PIB em economias avançadas, segundo estudo do Tesouro. Além disso, os 18,2 mil magistrados do Brasil custam, em média, R$ 68 mil por mês – um claro drible no teto constitucional de R$ 44 mil.

Mas todo esse dinheiro parece ser insuficiente. Por isso, para que os colegas consigam salários mais polpudos, Campbell aconselha que se faça um trabalho de convencimento junto à sociedade.

De acordo com o novo corregedor, “magistradas e magistrados” devem voltar “a estar em escolas, hospitais, penitenciárias, beiradões, Caatinga, Cerrado, Pampas, vivendo e convivendo com os problemas da nossa comunidade”. Talvez assim possam sensibilizar os mais vulneráveis da urgência de suas benesses.

Dadas diante do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), as declarações de Campbell têm caráter providencial. É naquela Casa Legislativa que tramita atualmente a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do quinquênio, de autoria do próprio Pacheco, junto com dezenas de senadores, e defendida pelo presidente do CNJ e pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. Trata-se de um adicional de 5% no salário a cada cinco anos, limitado a 35%, faça chuva ou faça sol – um estímulo à ineficiência por ignorar critérios de desempenho.

Se o corregedor nacional já abraça essa pauta classista, tudo indica que as associações da magistratura poderão continuar a atuar firmemente na sua busca incessante por mais privilégios. As falas de Campbell, que não fariam feio numa assembleia da Central Única dos Trabalhadores (CUT), têm o condão de animar o sindicalismo de toga. E não é de hoje que esses sindicalistas togados ocupam espaço privilegiado e se mobilizam por mais benefícios que se convertem em maiores rendimentos.

É no âmbito do CNJ que essas entidades obtêm vitórias em série. O conselho já autorizou, por exemplo, o pagamento de 20 dos 60 dias de férias de magistrados e aprovou resolução que garante equiparação “de direitos e deveres” com o Ministério Público – assim, quando um penduricalho for criado para promotores e procuradores, juízes não ficarão desassistidos. Numa relação simbiótica, ex-presidentes de associações ocupam hoje assentos no CNJ, o que, em linguagem popular, significa colocar a raposa para tomar conta do galinheiro.

Criado para fazer controle administrativo e financeiro, além de fiscalizar os juízes, segundo a Constituição, o Conselho Nacional de Justiça virou arena de reivindicação de alegados direitos dos juízes, que já não são poucos. Se o sindicalismo fosse posto de lado, à magistratura talvez sobrasse mais tempo para melhorar a prestação jurisdicional, o que sensibilizaria bastante a sociedade. O trabalho é grande – ou ingente, como diria Campbell –, com 84 milhões de processos à espera de solução.