Comandado por um presidente que tem evidente dificuldade para demonstrar empatia autêntica por qualquer um que não leve seu sobrenome, o governo federal é a expressão viva da indiferença que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pelo poder. A ministros sem currículo e sem o mínimo cabedal para as nobres tarefas que lhes foram concedidas pela irresponsabilidade bolsonarista, só resta empenhar-se em agradar ao chefe – e o fazem emulando fielmente a truculência tão característica de Bolsonaro.
Tome-se o exemplo do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Como se fosse titular do Ministério da Doença, o sr. Pazuello, inspirado no presidente, parece trabalhar em favor do coronavírus, facilitando-lhe a dispersão entre os brasileiros e agravando a pandemia. Na quarta-feira passada, contra todas as evidências, o ministro disse que a recém-encerrada campanha eleitoral, com suas aglomerações, “não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento de contaminação”, razão pela qual “não podemos mais falar em lockdown nem nada”.
Ora, o que aconteceu, segundo as informações disponíveis, foi o exato oposto. Tanto é assim que vários governos decidiram reforçar algumas das restrições que haviam sido abrandadas. Ao desestimular o isolamento social e fazer crer que as contaminações estão diminuindo, o ministro semeia confusão e colabora para desmoralizar os esforços de quem demonstra preocupação com o vírus.
Enquanto isso, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, a propósito das recomendações para os brasileiros nas festas de fim de ano, menosprezou o isolamento social, pois segundo ele “não tem eficácia”, malgrado seja preconizado pela comunidade científica mundial para reduzir a pandemia. Já em caso de suspeita de contaminação, Élcio Franco defendeu o “tratamento precoce”, que não existe senão no discurso dos xamãs bolsonaristas.
Sabe-se lá quantos brasileiros mais ficarão doentes, correndo risco de morte, como resultado do conflito de mensagens estimulado pelo governo. Para os propósitos de Bolsonaro, como se sabe, isso não tem a menor importância, já que, em suas inolvidáveis palavras, “todos vamos morrer um dia”. A única coisa que importa é livrar-se da responsabilidade pelas consequências da pandemia.
Assim, não surpreende que o governo tenha demorado tanto para formular um plano de vacinação e, também, que esse plano, afinal apresentado na terça-feira passada, seja tão aquém do necessário. A vacinação não somente se estenderá por um ano ou talvez até mais, como será destinada a uma parcela muito pequena da população.
Sem jamais ter sido prioridade do governo – ao contrário, o próprio presidente disse e repetiu em voz alta que a vacinação não seria obrigatória, como se a vacina fosse uma aspirina que se escolhe tomar ou não –, a imunização dos brasileiros contra o coronavírus entrará para a já extensa e variada lista das obrigações que Bolsonaro, como presidente da República, está deixando de cumprir. E neste caso colocando em risco a saúde de todos.
À inépcia junta-se o autoritarismo explícito, única promessa de campanha que Bolsonaro cumpre à risca. Uma portaria do Ministério da Educação publicada na quarta-feira determinava o retorno às aulas presenciais nas universidades federais e nas faculdades particulares a partir de janeiro. De uma tacada só, a ordem violava a autonomia universitária e, sem qualquer consulta aos gestores universitários, atropelava os esforços para reduzir o contágio entre estudantes e professores.
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, expressou surpresa com a repercussão negativa. Ou seja, foi simplesmente incapaz de perceber a violência da medida, evidente por si mesma. É, portanto, muito pior do que a simples incompetência: trata-se de um governo sem qualquer sensibilidade, movido exclusivamente pelos delírios bolsonaristas de poder, nos quais o presidente e alguns de seus principais ministros não demonstram compaixão pelos pobres e os doentes.
Com um presidente que é fã declarado de torturadores, quem haverá de se dizer surpreso, afinal?