O governo de Lula da Silva chega hoje ao seu centésimo dia como se estivesse em sua reta final. Os sinais de decrepitude precoce estão em toda parte, mas sobretudo na aparente incapacidade do presidente de dar um rumo – imprimir uma marca, como dizem os marqueteiros – à sua incipiente administração.
O governo dá ares de envelhecimento acelerado quando parece mais preocupado em criar fatos que lhe garantam vantagens eleitorais, como se estivéssemos às portas da eleição presidencial de 2026, e não em tomar as decisões duras e impopulares que qualquer governo responsável toma quando ainda está embalado pela legitimidade das urnas – ainda mais diante da perspectiva de enfrentar um Congresso crescentemente hostil, em que a base governista aparenta ser frágil e pouco confiável.
Alguns otimistas dirão que Lula da Silva, por mais perdido que esteja, ainda faz um governo melhor do que o de Jair Bolsonaro. Mas aí não há vantagem nenhuma: é virtualmente impossível ser pior do que Bolsonaro, responsável pela putrefação moral da política, pela desmoralização da República e pela ruína de áreas cruciais para o País, como saúde e educação.
Mas era possível ser efetivamente melhor, se a disposição de construir fosse tão grande quanto a de desmontar o que foi feito no passado recente. Os petistas, a começar por Lula da Silva, parecem convictos de que tudo o que foi realizado depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff deve ser desfeito por ser fruto de um tal “golpe”.
Nem se discute que era necessário, por exemplo, reverter as medidas bolsonaristas que levaram ao armamento desenfreado da população. Tampouco pode ser ignorado o esforço de resgatar os povos indígenas da Amazônia, em especial o povo Yanomami, submetidos ao abandono, à fome e à morte pela leniência do governo anterior no combate aos crimes na região. Ademais, o novo governo melhorou a imagem do País no exterior, resgatando o Brasil da condição de pária em que Bolsonaro o colocou e recobrando seu tradicional papel de interlocutor relevante em uma miríade de questões globais, em especial na seara ambiental e no comércio internacional.
Mas os retrocessos são igualmente notáveis, frutos sobretudo do empenho dos petistas de fazer terra arrasada dos avanços obtidos na gestão de Michel Temer, chamado de “golpista” por Lula. Movido por esse espírito de vingança, Lula avalizou o desmonte do Marco do Saneamento, para favorecer estatais falidas e incompetentes em detrimento do bem-estar dos pobres; avançou sobre a Lei das Estatais, criada justamente para estancar a corrupção das estatais, grande marca dos governos petistas; mandou parar a reforma do ensino médio, para satisfazer sindicatos em prejuízo dos estudantes, aflitos com um futuro incerto; ameaçou rever a reforma trabalhista, um formidável avanço em relação à legislação caduca da era varguista; fustigou a Petrobras a abandonar as políticas e práticas administrativas adotadas justamente para salvar a companhia depois da destruição promovida pelos petistas; e detonou o teto de gastos, criado no governo Temer para conter a sangria das contas públicas após a passagem irresponsável de Dilma pelo poder.
Menos mal que, entre uma pirraça e outra, o governo Lula foi capaz de elaborar uma proposta de regime fiscal que, malgrado seus problemas, ao menos sinaliza alguma intenção de manter a solvência das contas públicas. Mas, bem ao estilo petista, a maior oposição ao projeto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não parte da oposição, e sim do próprio PT, incapaz de aceitar que dinheiro público não brota da terra nem dá em árvore. Quando um Lindbergh Faria (PT-RJ) diz que o novo regime fiscal é nada menos que um “pacto com o diabo”, algo que nem o mais empedernido dos bolsonaristas ousou fazer, este jornal tem razões de sobra para suspeitar que o ministro da Fazenda talvez não tenha forças para lutar contra “opositores” cujo grande poder decorre justamente da pequena distância que os separa dos ouvidos de Lula.