Em um comício recente, o ex-presidente dos EUA e favorito à nomeação do Partido Republicano para a disputa presidencial deste ano, Donald Trump, disse que “encorajaria” a Rússia a “fazer o que bem entender” com os países da Otan que não cumprem a meta da aliança de gastar 2% do PIB com defesa.
Há uma base factual para essa provocação. Desde o fim da guerra fria, os países europeus aquiesceram à complacência em relação à defesa militar. Trump não foi o primeiro presidente americano a se queixar de seu déficit de gastos. Mas uma coisa é incentivar e mesmo pressionar parceiros de uma aliança a cumprir compromissos assumidos nela a fim de fortalecê-la. Outra é torpedear o coração mesmo dessa aliança – no caso, o artigo 5, que determina que um ataque a um dos membros é um ataque a todos.
A capacidade dissuasória de uma aliança militar depende de duas coisas: o poder de agir e a vontade de agir. Críticas ao potencial militar de muitos membros da Otan são legítimas. Mas, em primeiro lugar, é preciso contextualizá-las. Desde que a Rússia anexou a Crimeia, em 2014, os gastos com defesa aumentaram em 27 dos 31 membros. Entre 2017 e 2020, o número de membros que atingiram a meta de 2% aumentou de quatro para nove. Após a invasão da Ucrânia chegaram a 11, e os gastos com equipamentos militares da Otan aumentaram em 25%. A expectativa em 2024 é de que 18 membros ultrapassem a meta de 2%.
Tudo isso ainda pode ser insuficiente. Mas, quando o principal parceiro da aliança sinaliza que pode abandonar os outros à própria sorte, ela já é de imediato enfraquecida e, na pior das hipóteses, pode desmoronar. “Qualquer sugestão de que aliados não defenderão uns aos outros mina toda a nossa segurança, incluindo a dos EUA, e põe soldados americanos e europeus em risco crescente”, advertiu o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, em resposta a Trump. Essa constatação óbvia serve de alerta às lideranças europeias e aos eleitores americanos e seus representantes.
Os europeus precisam aceitar que o risco de terem de se defender sozinhos é real e imediato. De pronto, precisam se organizar para fornecer mais armas e munição à Ucrânia. Além disso, precisam acelerar os gastos em defesa e a modernização de suas forças. Sem os EUA, mesmo um gasto de 3% do PIB em defesa pode ser insuficiente.
A desmoralização da Otan é uma ameaça à segurança dos EUA. Se os membros de uma aliança multilateral não podem contar com o apoio do país que a liderou em seus mais de 80 anos de existência no momento em que a Europa sofre sua maior ameaça desde a 2.ª Guerra, tanto maior será a desconfiança de aliados bilaterais ou informais no Oriente Médio (como Israel ou Arábia Saudita) ou no Pacífico (como Japão, Austrália e Coreia do Sul), e tanto mais encorajados se sentirão os inimigos do país, como a Rússia, a China e o Irã.
A irresponsabilidade de Trump é patente quando ele aceita pagar esse preço na expectativa de debilitar a campanha à reeleição de seu adversário, o presidente Joe Biden. Mesmo após senadores republicanos e democratas terem engendrado um pacote de apoio à Ucrânia, Israel e Taiwan condicionado a mais recursos à defesa das fronteiras contra imigrantes ilegais, os congressistas trumpistas estão sabotando essas medidas para disseminar a percepção de uma administração caótica e fracassada nas políticas domésticas e internacionais.
As democracias liberais precisam fazer seus cálculos de defesa considerando o pior dos cenários: não tanto o isolacionismo dos EUA, mas um unilateralismo imprevisível e irresponsável. Elas podem nutrir a esperança de que os eleitores americanos saibam punir quem realmente está atentando contra a segurança de seu país e traindo a confiança de seus aliados, mas precisa se preparar para o pior. Com Trump no poder, as democracias já não poderão contar com o apoio dos EUA. Os autocratas de todo o mundo se sentirão mais encorajados em suas aventuras revisionistas e imperialistas. A corrida armamentista vai se acelerar. Será, em resumo, um mundo mais perigoso.