Depois de indicar seu advogado para o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Lula pretende preencher a vaga a ser deixada pela ministra Rosa Weber, no final de setembro, indicando alguém com quem tenha a liberdade para “trocar ideias” quando precisar, apurou o Estadão. Ora, isso é repetir o mesmo erro de Jair Bolsonaro, que admitia explicitamente que o nome indicado precisava “tomar tubaína” com ele e “ter essa afinidade comigo”. “Eu não vou indicar um cara só pelo currículo”, disse Jair Bolsonaro por ocasião da indicação do ministro Kassio Nunes.
A Constituição confere ao presidente da República a prerrogativa de indicar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de arranjo institucional importante, dentro do sistema de freios e contrapesos. No Estado Democrático de Direito, cada um dos Três Poderes é independente, mas nenhum é absoluto.
O processo de preenchimento das vagas do STF é parte desse equilíbrio entre os Poderes. O presidente da República indica e o Congresso, por meio do Senado, avalia. A Constituição explicita que essas prerrogativas não são espaço de mero arbítrio. Há requisitos importantes a serem seguidos: notável saber jurídico e reputação ilibada.
Não são condições abstratas ou de difícil aferição. Ao falar em notável saber jurídico, a Constituição exige que o conhecimento técnico do indicado seja facilmente percebido por todos. Se há alguma dúvida a respeito do saber jurídico do indicado, o requisito não está preenchido. No caso da reputação ilibada, o texto constitucional apenas afirma que os integrantes da Corte devem ter um nome límpido, intacto, sem mancha, sem sombra, sem nenhuma suspeita.
Na história de “tomar tubaína” ou na de poder “trocar ideias”, há uma peculiaridade. É o próprio presidente da República que lança suspeitas sobre os nomes de seus escolhidos. Dá a entender que o indicado deve estar aberto a uma “afinidade” que vai além das relações institucionais: alguém sobre o qual se conseguiria ter algum controle ou alguma influência quando estiver depois no Supremo.
Ora, o que se espera de um ministro do STF é o exato oposto de uma dinâmica de dependência com quem o indicou. Os integrantes da Corte devem ter a capacidade técnica e a estatura moral – por isso, os requisitos de notável saber jurídico e de reputação ilibada – para que sua atuação como magistrado seja rigorosamente independente. Só assim o Supremo poderá exercer a contento sua função de defesa da Constituição, que leva muitas vezes a contrariar o governante de plantão e algumas vezes a contrariar a própria opinião majoritária da população.
Lula e Bolsonaro manifestam, portanto, uma incompreensão não apenas sobre a prerrogativa presidencial de indicar nomes para o STF, mas sobre a própria Corte constitucional. Ao tentarem submeter o Supremo à sua interferência política, eles enfraquecem a autoridade do STF perante a população.
Nem se diga que, ao atuar assim, o presidente da República estaria apenas promovendo suas causas e seu ideário político. Isso deve ser feito junto ao Congresso. Quando se atua assim perante o Judiciário – ignorando sua natureza, sua função e seu âmbito específico de competência –, o Executivo interfere no bom funcionamento do Estado Democrático de Direito. Como um todo, o poder estatal torna-se menos apto a servir a população.
A politização das indicações para o STF contribui para a percepção de desconfiança da população em relação à Corte constitucional, especialmente no quesito imparcialidade. E as eventuais relações de compadrio e de dependência entre o presidente da República e seus indicados são um capítulo especialmente preocupante desse fenômeno.
A tolerância com indicações à base de tubaína, como se fosse algo normal, significaria pactuar com um aspecto central do bolsonarismo: o exercício do poder configurado pelas relações de amizade. O eleitor rejeitou esse modo de atuar. Não há por que Lula dar agora essa vitória a Bolsonaro, perpetuando uma deformação tão contrária aos ideais da República.