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Uma aliança anódina no Atlântico

Líderes da UE e da Celac desperdiçam chance de construir agenda pragmática em torno de interesses comuns e deixam no ar promessa de investimento europeu na AL e no Caribe

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Por Notas & Informações
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O encontro de líderes da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia, encerrado no último dia 18 em Bruxelas, resultou em nítida perda de tempo e, ainda pior, de oportunidades. A declaração final não traduziu o propósito de adensar parcerias para o enfrentamento dos desafios comuns deste século nos âmbitos comercial, energético, climático e sanitário. Não por acaso, o anunciado investimento europeu de 45 bilhões de euros nessas mesmas áreas do outro lado do Atlântico simplesmente foi omitido do texto anódino.

É sempre lamentável ver um encontro plurilateral no mais alto nível político, como o de Bruxelas, não agregar mais conteúdo do que a tradicional “foto de família” dos ilustres participantes. Com boa vontade, a declaração final poderá ser compreendida como uma carta de intenções para as relações birregionais. No entanto, as duas regiões não precisariam repetir platitudes sobre temas em que coincidem há tempos. Ao contrário, necessitam programas efetivos e pragmáticos, com agendas e responsabilidades definidas, para alavancar seus interesses mútuos.

O anúncio dos 45 bilhões de euros, no último dia 17, parecia um avanço. Não seria um gesto incondicional de boa vontade de Bruxelas, mas tampouco seria rejeitado, por mais melindrosas que fossem as segundas intenções. O volume de recursos prometido já estava inserido no Global Gateway (portal global, em tradução livre), programa de investimentos em diferentes regiões do planeta com o qual a União Europeia pretende alavancar sua provisão de combustível verde e matérias-primas, suas exportações de bens e serviços e o desenvolvimento econômico de mercados potencialmente cativos.

Em última instância, o Global Gateway tem a missão geopolítica de abraçar regiões nas quais a Europa manteve histórica influência, mas que atualmente se mostram mais bem atendidas pela agressiva estratégia de investimentos e de parcerias da China na área econômico-comercial. A América Latina (AL) e o Caribe são alvos naturais, onde a União Europeia elencou mais de 130 projetos. Dos 45 bilhões de euros, pelo menos 3 bilhões de euros já estavam comprometidos com a produção de hidrogênio verde no Brasil e no Chile e com a exploração de lítio na Argentina. Dada a omissão desse valor na declaração final de Bruxelas, não há clareza se os 42 bilhões de euros restantes são promessas no fio de bigode.

Não há dúvidas de que o atual impasse nas negociações sobre o livre-comércio entre União Europeia e Mercosul atrapalhou. No mínimo, impediu que a declaração final trouxesse um conteúdo representativo dos ganhos de uma parceria birregional. O texto assinalou, indiretamente, o pessimismo de ambos os blocos sobre a assinatura do acordo até o fim deste ano. “Tomamos nota do trabalho em curso entre a União Europeia e o Mercosul”, informou.

Em perspectiva, o encontro de líderes da Celac e da União Europeia tende a ser lembrado pelo desentendimento sobre a agressão da Rússia à Ucrânia. O objetivo de Bruxelas de extrair dos latinos e caribenhos apoio explícito à causa ucraniana naufragou. A palavra “Rússia” foi extraída do rascunho da declaração final. Diante da aguada menção ao “conflito na Ucrânia”, o regime autoritário da Nicarágua isolou-se e não assinou a declaração. Nem Cuba arriscou a aliar-se de forma tão contundente a Moscou.

Não deixa de ser uma pena o desperdício de tempo nessa visita de chefes de Estado a Bruxelas. Salvo conversas bilaterais e um pacto morno – com os dias contados – entre o governo e a oposição da Venezuela sobre a realização de eleições livres e justas em 2024, costurado à parte, União Europeia e Celac perderam a chance de construir uma ambiciosa agenda comum. É provável que Bruxelas, com seus bilhões de euros, mova-se no plano bilateral na direção de parceiros na região considerados confiáveis e capazes de atender aos seus interesses. Nada além do mesmo.