O governo Lula da Silva enviou ao Congresso dois projetos que alteram regras de contabilização de empresas públicas. Pela proposta, estatais que dependem de recursos do Tesouro, como Telebras e Codevasf, poderão ser transferidas dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social (OFSS), em que ficam os gastos submetidos aos limites fiscais, para o Orçamento de Investimento, no qual estão as empresas financeiramente independentes, como a Petrobras.
Trata-se de uma medida que, à primeira vista, emana um ar de esperteza fiscal por facilitar uma filtragem de gastos no Orçamento federal. Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, argumente que o objetivo é o de explorar a possibilidade de reduzir o aporte federal em estatais “que têm condição de se emancipar, por assim dizer, do Orçamento”, a medida gera desconfiança porque, como disseram especialistas ouvidos pelo Estadão, a fiscalização dos gastos dessas empresas tende a ficar mais frouxa.
Cerca de 95% dos R$ 39 bilhões de custos previstos este ano com as 17 estatais dependentes virão do erário. Se a arrecadação própria dessas empresas é mínima e se elas têm de ser mantidas com o dinheiro do contribuinte, parece irrazoável que sejam tratadas como empresas que não necessitam de recursos públicos para operar. A ideia do governo é que a pequena parcela da receita produzida por essas estatais fique no caixa da própria empresa, em vez de integrar o caixa da União, como é hoje, o que as liberaria para bancar gastos um pouco além dos limites do arcabouço.
O argumento – que parece frágil diante das necessidades atuais dessas empresas – é o de promover uma transição para uma situação de independência. Há quem considere que o desenho foi feito sob medida para a Telebras, que passou ao rol das dependentes em 2020 e está com dificuldades de pagar fornecedores. Mesmo assim, a ideia de passar as estatais dependentes para a rubrica de investimento parece estar mais de acordo com a ladainha de Lula da Silva segundo a qual gasto público é “investimento”.
Como mostrou reportagem recente do Estadão, a manobra carrega o potencial de abrir espaço orçamentário para novos gastos. Mesmo que não seja um volume significativo, segundo especialistas, isso configuraria um drible no arcabouço fiscal. Os aportes do Tesouro continuarão contabilizados no Orçamento, mas os gastos viabilizados com receita própria ficarão fora do controle.
A desconfiança com as consequências aumenta quando a medida é confrontada com outros sinais emitidos pelo governo como, por exemplo, o descumprimento de regras que preveem a extinção de cargos da Telebras. Em vez de reduzir de 56 para 31 os cargos comissionados da empresa até julho deste ano, o governo deu mais cargos à estatal, responsável pela política de inclusão digital, além de retirá-la da lista de privatizações. Como agravante, há ainda as indicações de parentes e apadrinhados de integrantes do governo, seguindo a mesma linha adotada pela Codevasf. Responsável pelas obras no Vale do São Francisco, a empresa é outra das dependentes e ficou conhecida como “a estatal do Centrão”.
A “transição para a independência” proposta pelo governo ocorreria com o uso do contrato de gestão, um dispositivo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Constituição. Trata-se de um instrumento firmado entre órgãos da administração direta e indireta e o poder público usado para fixar metas de desempenho. Originalmente, o objetivo é aumentar a eficiência e a sustentabilidade de empresas públicas. Usá-lo para “emancipar” estatais dependentes é um risco ou, como explicou a presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, Lucieni Pereira, uma irresponsabilidade.
A privatização, como estava previsto para algumas dessas empresas, seria um mecanismo mais transparente, rápido e definitivo para retirá-las do Orçamento. Mas uma das primeiras medidas anunciadas por Lula da Silva em seu terceiro mandato foi retirar dez estatais dos programas de desestatização e de parcerias, entre elas as “dependentes” Telebras, Conab, EBC, Nuclep e Ceitec.