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Uma janela para a paz

Ao reduzir o poder de fogo dos aliados do Irã, Israel cria chance para a diplomacia

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Por Notas & Informações
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Após quase 14 meses de hostilidades contínuas e crescentes entre Israel e o Hezbollah, ontem as armas amanheceram em silêncio. A anunciada trégua pode até se provar tênue, mas é uma boa e relativamente inesperada notícia: quando o mundo inteiro temia uma conflagração regional, pela primeira vez desde 7 de outubro de 2023, data do ataque do Hamas a Israel, há uma perspectiva de redução das hostilidades no Oriente Médio.

O acordo entre Israel e Líbano prevê um cessar-fogo de 60 dias. O Hezbollah deve manter-se a 30 km da fronteira, enquanto Israel gradualmente removerá suas tropas do sul do Líbano, que será ocupado pelas forças libanesas com a missão de desmantelar estruturas militares do Hezbollah e impedir seu rearmamento. Um comitê de cinco países liderados por EUA, França e uma unidade de observação da ONU monitorará o cumprimento do acordo.

No primeiro dia após o ataque bárbaro do Hamas, o Hezbollah lançou foguetes contra Israel, prometendo que o combate não terminaria até um cessar-fogo em Gaza. Quase 70 mil israelenses foram retirados e por meses a troca de hostilidades seguiu num ritmo calculado para não escalar, até Israel lançar uma ofensiva em setembro. A liderança do Hezbollah foi decapitada e seu estoque de munição foi imensamente degradado. Destruir totalmente a organização militar do Hezbollah nunca foi o objetivo. Mas as operações foram bem-sucedidas em quebrar o elo entre o Hezbollah e o Hamas. O teste final será a reinstalação dos israelenses que tiveram que sair de suas casas.

Israel deixou a maior força militar não estatal do mundo numa posição muito mais vulnerável que em 2006 – quando Israel e Hezbollah se enfrentaram –, e expôs a superioridade tática da inteligência e da tecnologia israelenses em relação ao Irã. Em dois meses, apesar das condenações das boas almas da ONU e do mantra da “desescalada” em Washington, Israel conseguiu a paz pela força, afastou o risco de uma guerra aberta com Teerã, restaurou as condições que a ONU estabeleceu em 2006, mas nunca implementou, e abriu janelas para a diplomacia. Para não repetir os erros de 2006, Israel impôs uma cláusula que lhe permite reagir a “ameaças iminentes” caso o Hezbollah quebre as condições do acordo. Os deslocamentos e a destruição no Líbano foram terríveis. Mas o governo libanês tem uma chance de impor limites aos domínios de um Hezbollah debilitado.

A dois meses da inauguração do mandato de Donald Trump nos EUA, Israel está numa posição estratégica de força. Trump provavelmente dará ao premiê Benjamin Netanyahu muito mais licença para agir. Mas isso não é necessariamente uma má notícia para os palestinos. Os sinais ainda são ambivalentes. Por um lado, Trump nomeou Mike Huckabee, apologista da anexação dos territórios palestinos, como embaixador em Jerusalém. Mas foi Trump, em seu primeiro mandato, quem elaborou o plano mais detalhado para uma solução de dois Estados desde os Acordos de Oslo e lançou as bases dos Acordos de Abraão para normalizar as relações entre Israel e Estados árabes.

O cessar-fogo está apenas começando. Ninguém pode subestimar a volatilidade do Oriente Médio. Mas há razões para um moderado otimismo.