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Uma legislatura medíocre

Só 44 entre 513 deputados têm desempenho considerado ótimo por estudo sobre a qualidade da atual legislatura, que parece mais preocupada com as redes sociais que com o futuro do País

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Por Notas & Informações
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Quase 70% dos deputados federais da atual legislatura exibiram um desempenho ruim ou razoável nos primeiros 500 dias de mandato, informou o Estadão a partir de um relatório produzido pela organização não governamental Legisla Brasil. O levantamento mostra que apenas 44 deputados (ou menos de 9% da Câmara) alcançaram um desempenho classificado como ótimo. É uma performance avaliada pelos quase 30 especialistas envolvidos no índice com base em 16 indicadores, agrupados em 4 categorias – produção legislativa, fiscalização do Executivo, capacidade de mobilização e alinhamento partidário. Reunidos a partir de dados quantitativos fornecidos pela própria Câmara dos Deputados, esses indicadores oferecem números que justificam a habitual desconfiança da população em relação ao Congresso Nacional. E, o mais grave, atestam o desempenho medíocre da maioria esmagadora dos deputados federais.

A fiscalização parlamentar sobre as ações do Executivo – uma das principais atribuições do Legislativo – foi classificada como o maior gargalo na atual legislatura. Numa escala de zero a 10, deputados alcançaram uma sofrível média de 1,90 ponto. A nota abrange desde propostas de fiscalização até a quantidade de emendas ao Orçamento e às medidas provisórias do Executivo. O alinhamento partidário também se mostra baixo (5,4, para um máximo de 10), o que demonstra uma significativa divergência entre parlamentares e seus partidos nas votações. O levantamento também mostra que pelo menos 350 dos 513 deputados não usam as ferramentas disponíveis para garantir um mandato de qualidade. Seguem, por exemplo, protocolando muitos projetos sem levar em conta propostas similares já em tramitação. E, para um parlamentar melhorar seu desempenho, parece não haver diferença se ele integra ou não a base governista – o resultado é o mesmo, e não é nada positivo.

Os números também reafirmam a dificuldade histórica dos partidos brasileiros de manter coesão e coerência internas. Nos últimos anos, felizmente o Brasil viu reduzir o número de legendas com representação no Congresso, mas as agremiações remanescentes ainda são, em grande medida, uma soma de federações locais e regionais, com os parlamentares muito mais movidos por interesses paroquiais localizados e por bancadas temáticas do que pelos programas partidários bem fundamentados. A falta de coesão, como sublinhou uma das pesquisadoras ao Estadão, não só prejudica a atuação estratégica dos parlamentares, como afeta a eficiência na aprovação de projetos e contribui para o abismo cada vez maior entre a população e os partidos políticos, dada a ausência de clareza e unidade das agendas que são defendidas por eles.

Destacar esse tipo de análise ajuda o País a escapar do vício habitual de observar o desempenho parlamentar segundo a ótica da mera presença de deputados em votações na Casa, evita o equívoco de concentrar o olhar para a Câmara apenas em período eleitoral e chama a atenção para o óbvio: a qualidade de um parlamentar não pode ser atestada segundo critérios de radicalismo e beligerância que tanto fazem sucesso nas redes sociais. Não raro o Congresso brasileiro – especialmente a Câmara – substitui debates, deliberações e convivência civilizada entre diferentes espectros ideológicos e partidários, base de uma casa democrática, por insultos, xingamentos, dedos na cara e empurrões, tudo devidamente acompanhado por celulares para ganhar vida no ambiente digital. Uma tendência coerente com o fato de que há no Congresso e na sociedade uma geração que cresceu e se formou politicamente em ambientes digitais, onde a disputa por ideias e projetos se torna menos relevante do que a caçada por cliques e destruição de reputações.

Costuma-se dizer que a qualidade do Congresso retrata a qualidade do Brasil a cada época. Se a premissa é verdadeira, a atual legislatura também não deixa de ser um retrato do País atual: uma esfera pública modificada e uma sociedade politicamente dividida e fragmentada, em grande parte com interações baseadas em hostilidades. Esta não pode ser uma tendência sem volta, e os números oferecem bons argumentos para mudança.