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Uma Previdência mais justa

País precisa de uma nova reforma, e não só por razões fiscais. É preciso propor mudanças que reduzam iniquidades, incentivem contribuições e adiem a entrada de beneficiários no sistema

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Por Notas & Informações
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O País terá de discutir uma nova reforma da Previdência em breve se quiser evitar o colapso do sistema. Alertas como este já haviam sido feitos recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre FGV). Nesta semana, um novo estudo do Banco Mundial veio reforçar essas conclusões.

No estudo, publicado pelo jornal Valor, as autoras Asta Zviniene e Raquel Tsukada informam que em 2020 o País já tinha cerca de 15 idosos com mais de 65 anos para cada 100 adultos entre 20 e 64 anos. A relação ainda é considerada relativamente confortável, mas o Brasil está envelhecendo tão rápido que ela deve dobrar em apenas 23 anos, algo que levou 62 anos para ocorrer nos países de alta renda.

Manter essa mesma relação entre idosos e jovens só seria possível se a idade mínima para a aposentadoria fosse elevada a 72 anos em 2040 e a 78 anos em 2060, algo politicamente inviável. Outros países da América Latina compartilham do mesmo problema, mas o Brasil tem questões próprias que tornam o desafio ainda maior.

Os pontos destacados pelas autoras vão além da questão fiscal. Elas buscam expor o quanto o sistema previdenciário tem reforçado iniquidades. Uma delas é o fato de que o sistema desencoraja um trabalhador a acumular um tempo de contribuição mais longo, pois isso não se reflete em um benefício mais elevado. Tampouco há muita diferença nos valores dos benefícios pagos a quem contribuiu e a quem não contribuiu com o sistema.

Outra é a prática de usar a Previdência Social para recompensar alguns grupos por desigualdades históricas e estruturais ou pelas contribuições sociais vinculadas ao ofício. É o que justifica que mulheres, trabalhadores rurais, professores, profissionais de saúde e segurança pública e microempreendedores individuais (MEIs) tenham alguns privilégios, como alíquotas de contribuição mais baixas e critérios de elegibilidade menos rigorosos.

No entanto, esses objetivos são mais bem abordados, diz o estudo, “por meio de políticas separadas e especificamente desenvolvidas para o propósito em questão – sistemas judiciais para tratar da discriminação, leis de remuneração justa para garantir uma compensação adequada pelo trabalho e políticas de mercado de trabalho que garantam oportunidades de mudança de ocupação quando necessárias por motivos de saúde”.

Dado relevante mencionado pelas autoras diz respeito às desigualdades intergeracionais. Segundo elas, enquanto mais de 40% das crianças brasileiras vivem e crescem em condições de pobreza, a maioria dos idosos ocupa o meio da pirâmide de distribuição de renda. Isso ocorre porque o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos pobres como uma prestação de assistência social, tem limite de elegibilidade por renda per capita mais alto que o Bolsa Família. Além disso, o valor do BPC, que corresponde a um salário mínimo, é o dobro do piso do Bolsa Família.

Ao Valor, Matsuda destacou que a Previdência Social deveria se ater a proteger os idosos de cair em uma situação de pobreza, e não a reduzir a pobreza como um todo nem a servir como ferramenta com foco na distribuição de renda ou a resolver outras desigualdades históricas que o País acumula há décadas.

Intitulado O Sistema Previdenciário Brasileiro sob a Ótica da Equidade, o estudo cita que, em 2020, apenas 20,7 milhões dos 32,2 milhões de beneficiários de aposentadorias tinham 65 anos ou mais. Por outro lado, somente 56,4% da população economicamente ativa, ou 51,5 milhões de pessoas, contribuía com o sistema.

Os números evidenciam que há espaço para adiar a entrada de beneficiários e incentivar trabalhadores a contribuir com o sistema previdenciário. Mas isso não acontecerá somente com a redução do desemprego e com o aumento da formalização no mercado de trabalho. Será preciso promover mudanças profundas no sistema, não apenas por motivos fiscais, mas para tornar o sistema mais justo para todos.