O Congresso cumpriu o seu dever. Revogou a Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83) e assegurou meios para a defesa do Estado Democrático de Direito, com a previsão de novos crimes no Código Penal. Já o presidente Jair Bolsonaro fez sua parte pela metade. Sancionou a lei que revoga a LSN, mas vetou cinco pontos importantes para a defesa do regime democrático e o bom funcionamento das instituições republicanas.
Desde que se tornou patente a necessidade de revogar a LSN – o governo federal estava se valendo da Lei 7.170/83 para perseguir adversários políticos –, ficou também evidente que não bastava excluir a antiga lei, aprovada na ditadura militar. Ainda que imperfeitamente, a LSN protegia bens jurídicos importantes, especialmente em relação ao funcionamento das instituições democráticas.
Por isso, de forma prudente e seguindo a experiência internacional, o Congresso, no mesmo projeto de lei que revogou a LSN, definiu crimes que ameaçam ou impedem o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito. No entanto, com cinco vetos especialmente perigosos, o presidente Bolsonaro desfez o equilíbrio entre liberdade individual e proteção do Estado.
O Congresso estabeleceu dois novos crimes contra o processo eleitoral. Jair Bolsonaro vetou o crime de comunicação enganosa em massa (promover ou financiar campanha para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral; pena de um a cinco anos de reclusão). Sem pudor, tenta manter impunes as ações bolsonaristas contra o sistema eleitoral.
Ainda no capítulo dos crimes contra as eleições, o presidente Bolsonaro também vetou um dispositivo contra a impunidade. O Congresso autorizou que, em caso de omissão do Ministério Público, partidos políticos poderiam propor a respectiva ação penal. Jair Bolsonaro excluiu essa possibilidade.
No capítulo dos crimes contra a cidadania, o Congresso criou o crime de atentado ao direito de manifestação. A previsão era de um a quatro anos de prisão para quem “impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos”.
Esse tipo penal é corolário da garantia constitucional de que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (art. 5o, XVI).
Aquele que se diz defensor da liberdade vetou, no entanto, a criação do tipo penal que vinha proteger a liberdade de manifestação. Talvez essa liberdade não desperte especial interesse em Jair Bolsonaro. Afinal, a Constituição assegura tão somente o direito de “reunir-se pacificamente, sem armas”.
De forma prudente, o Congresso estabeleceu que os crimes contra o Estado Democrático de Direito devem ter pena (i) aumentada de um terço, se cometidos com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo, e (ii) aumentada de um terço e cumulada com perda do cargo, se cometidos por funcionário público. Jair Bolsonaro vetou esses aumentos. Tal foi o descaramento que nem sequer consta justificativa para o veto ao aumento de pena por uso de arma de fogo.
Jair Bolsonaro também vetou o aumento de pena para o caso de crime contra o Estado Democrático de Direito cometido por militar. Alegou que, além de supostamente ferir a proporcionalidade, a previsão legislativa seria “uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores”.
O Congresso não criminalizou nenhuma manifestação de pensamento. Apenas protegeu o Estado Democrático de Direito, o que evidentemente dificulta os intentos do bolsonarismo. Cabe ao Legislativo proteger seu bom trabalho, derrubando os cinco vetos. Não deve haver impunidade para quem atua contra o regime democrático.