O presidente Lula andou ciceroneando o presidente francês, Emmanuel Macron, num tour pelas terras brasileiras. Na agenda, visitas a comunidades ribeirinhas e fábricas de chocolates orgânicos, convescotes com caciques e jantares com celebridades das artes e esportes.
Além de promover esse rebranding dos estereótipos sobre o país tropical do samba e futebol, os dois batizaram um submarino construído sob uma parceria de 2008. A primeira-dama quebrou uma garrafa de espumante no casco, enquanto os presidentes faziam apelos à paz mundial e prometiam ampliar a “parceria estratégica”. Ainda que não seja claro como os investimentos bélicos se coadunam com a doutrina de defesa de Lula – “quando um não quer, dois não brigam” –, ele fez bem em cobrar a França por relutar em transferir a tecnologia acordada a um aliado pacífico de longa data.
Os presidentes propagandearam um “plano” para arrecadar € 1 bilhão para a bioeconomia e preservação da Amazônia. Não é a primeira promessa a ir para o papel e, se não sair de lá, não será surpresa. Sob os holofotes da Cúpula do Clima em Dubai, Macron prometeu € 500 milhões ao Fundo Amazônia. Nos bastidores, sua Chancelaria indicou que só teria € 1 milhão para dar agora.
Entre velhos projetos e promessas incertas, a pajelança fez o possível para disfarçar o bode na sala: o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia. Como se sabe, Macron é o maior entrave à sua ratificação na Europa. E Macron reiterou seu recado: “É um péssimo acordo”, supostamente por desconsiderar “a biodiversidade e o clima” – senha de dez em dez governos franceses para barrar o ultracompetitivo agro brasileiro.
Ainda outro dia, o Palácio do Eliseu foi cercado por tratores, e Macron recuou de sua proposta de ampliar leis de proteção ambiental na França. Na agenda concertada com o Brasil, nenhuma visita a uma fazenda de soja ou gado, nenhum encontro com comitês de agrônomos e ambientalistas, nenhum dossiê comprovando os altos índices de sustentabilidade do agro ou os ganhos do acordo para consumidores brasileiros e franceses.
Macron não diz, mas é indisfarçável sua intenção de blindar os fazendeiros franceses. Lula não disfarça que quer excluir a concorrência europeia das compras governamentais brasileiras para blindar a indústria, à revelia dos próprios industriais. Mais do que todas as promessas assistencialistas e ambientalistas dos presidentes somadas, o acordo seria um poderoso instrumento para estimular a produtividade, gerar emprego e renda e ajudar os povos amazônicos a sair da miséria, ambiente tão fértil aos crimes ambientais. Mas, quando dois não querem, não há acordo.
Os takes fotográficos dos presidentes saltitando de mãos dadas na floresta talvez ajudem Macron a cativar o jovem eleitorado ambientalista francês, e Lula, os jurados do Prêmio Nobel. Mas resta a questão: foi um encontro de chefes de Estado ou de egos? Admitindo-se, pelo benefício da dúvida, o primeiro, foi inócuo. A claque lulista vai continuar repetindo seu mantra: o Brasil voltou. Mas voltou para onde sempre esteve, fechado e subdesenvolvido e, se depender de Macron, continuará aí.
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CORREÇÃO
Originalmente, neste editorial, dizia-se equivocadamente que o submarino Tonelero seria um submarino nuclear; na verdade, é um submarino diesel-elétrico.