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Vitória do jornalismo

STF reafirma o óbvio: é o entrevistado que responde pelo que diz em entrevista, e não o veículo

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Por Notas & Informações
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Diante de um caso isolado de mau jornalismo levado à sua apreciação, o Supremo Tribunal Federal (STF) não deveria ter fixado uma tese de repercussão geral estabelecendo critérios para a punição civil de todos os meios de comunicação por eventuais crimes contra a honra cometidos por seus entrevistados. Deveria ser pacífico que é do entrevistado a responsabilidade pelo diz em uma entrevista, e não do veículo que a publica.

Mas assim fez a Corte, em novembro de 2023, ao julgar um recurso impetrado pelo Diário de Pernambuco. O jornal em questão foi condenado a pagar uma indenização por ter publicado uma entrevista escancaradamente mentirosa na qual o delegado Wandenkolk Wanderley acusara o ex-deputado petista Ricardo Zarattini Filho de ter participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. À época da publicação da entrevista, já era sobejamente sabido que Zarattini Filho não teve qualquer participação naquele crime. Para piorar, a tese de repercussão geral fixada pelo STF era por demais vaga, dando azo à constrição da liberdade de imprensa. Não é absurdo imaginar que muitos veículos deixariam de realizar entrevistas por receio de serem punidos pelo que diriam suas fontes.

Em face desse enorme risco à plenitude de uma garantia constitucional, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentou embargos de declaração ao STF pedindo que a Corte fosse mais clara, corrigindo as omissões, contradições e obscuridades do acórdão de 2023. A bem do jornalismo profissional – livre, ético e responsável – e do direito à informação da sociedade, no dia 20 passado os ministros acolheram o recurso da Abraji por unanimidade e reformularam a redação da tese de repercussão geral (Tema 995).

A nova redação da tese de repercussão geral é, de fato, muito mais clara do que a anterior. Como regra geral, ficou estabelecido que os meios de comunicação não são responsáveis por entrevistas concedidas por terceiros, exceto: (i) pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou (ii) culpa grave decorrente da evidente negligência na apuração da veracidade do fato e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou, ao menos, de busca do contraditório pelo veículo.

Dito isso, ainda há sérias dúvidas quanto ao exercício do direito de resposta de ofendidos ao vivo. Ao mesmo tempo em que decidiu que, “na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivo de terceiro”, o STF determinou que à vítima de crime deve “ser assegurado o exercício do direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque”. Evidentemente, essa confusão atingirá a parcela mínima dos meios de comunicação profissionais que praticam mau jornalismo, pois esse tipo de cuidado é praxe comezinha em qualquer veículo sério e cioso de sua responsabilidade social. Ainda assim, é mais um dano colateral da decisão do STF que, na prática, tenta regular a atividade jornalística em vez de simplesmente dizer o que pode e o que não pode à luz da Constituição.