A abstenção na cidade de São Paulo neste segundo turno da eleição municipal foi de 31,54%, um recorde sob a vigência da Constituição de 1988. Isso corresponde a 2,94 milhões de eleitores, número que supera com folga os 2,3 milhões de votos dados pelos paulistanos ao candidato derrotado na rodada final do pleito, Guilherme Boulos (PSOL). Em nível nacional, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 29,26% dos cerca de 34 milhões de brasileiros aptos a votar no domingo passado deixaram de comparecer às seções eleitorais.
Como se vê, são números bastante expressivos, mas nada surpreendentes. A bem da verdade, nos últimos anos, a abstenção no Brasil oscilou muito próxima desse patamar de um terço do eleitorado. Em democracias consolidadas, como nos Estados Unidos e em muitos países da Europa, os porcentuais de eleitores que deixam de exercer seu direito ao voto costumam ser até maiores, tendo em vista que se trata de países em que o voto não é obrigatório como aqui. Logo, não se pode falar em “falhas” do sistema representativo nem da democracia, que, como se sabe, não se limita ao ato de votar.
Na realidade, trata-se de uma constatação bem mais singela: se é de uma democracia liberal que estamos falando, então é perfeitamente natural que alguns eleitores, de livre e espontânea vontade, decidam abster-se de votar pelas razões que julgarem convenientes.
Subjaz à obrigatoriedade do voto no Brasil a presunção de que a maioria dos eleitores, se pudesse, não sairia de casa para votar. Logo, é preciso fazê-lo ir às urnas, em nome da preservação da democracia. De fato, a democracia precisa ser diariamente preservada, mas um bom meio de fazer isso é acreditar na capacidade dos cidadãos de tomar decisões racionais. No Brasil, contudo, a sociedade é vista como hipossuficiente, razão pela qual não só o voto é obrigatório, como a Justiça Eleitoral com frequência escolhe até mesmo o que o eleitor pode ler, ver e ouvir numa campanha eleitoral.
Ora, é preciso olhar para os números de abstenção em São Paulo e no País com mais maturidade, não com choque, apreensão nem muito menos preconceitos. Em muitos casos, a abstenção é uma manifestação política tão legítima e democrática quanto sufragar um voto na urna. Nesse sentido, como apontaram diversas pesquisas de opinião, não foram poucos os paulistanos que não se sentiram inspirados – e, portanto, motivados a votar – pelas candidaturas do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e de seu adversário.
Ademais, não se pode perder de vista outros dois fatores que podem ter contribuído para esse registro recorde de abstenção – que, provavelmente, indica uma tendência. O primeiro, mais óbvio, é a extrema facilidade que os eleitores têm para justificar sua ausência ou para quitar sua obrigação eleitoral em dinheiro, por meio de uma multa de valor irrisório. O voto é obrigatório no Brasil apenas do ponto de vista formal. O segundo é o envelhecimento da população brasileira, o que fará aumentar cada vez mais o número de cidadãos que, embora sejam aptos a votar, não são mais obrigados por lei a fazê-lo.
É lícito inferir que o desencanto com as candidaturas apresentadas tenha sido, de fato, o maior fator motivador para esse registro recorde de abstenções. Apenas na capital paulista, somando a abstenção aos votos brancos e nulos, nada menos que 42% dos eleitores não votaram nem em Nunes nem em Boulos no segundo turno. Mas, a rigor, isso não tem a menor importância para a saúde da democracia no País. Obviamente, é mais que desejável que os partidos políticos se aproximem mais dos cidadãos e de suas angústias e anseios. Mas sempre haverá os que optarão por manifestar sua vontade política por meio do silêncio. E não se pode recriminar os que assim se manifestam.
Passa da hora de a sociedade, por meio de seus representantes no Congresso, debater seriamente sobre o fim do voto obrigatório no País. Ao invés de causar danos à democracia representativa, o voto facultativo obrigaria partidos e candidatos a se aproximarem dos eleitores a fim de motivá-los a sair de casa no dia da eleição. A democracia será tanto mais vibrante quanto menos depender de uma obrigação legal paternalista e mais da palavra de convencimento.