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Bebida

Borbulhas não convencionais: o resgate de bebidas alcoólicas ancestrais

Mel, frutas diversas e chá verde são base para bebidas artesanais que vêm enchendo o copo de brasileiros

Bebidas fermentadas nãoo convencionais, como asda Cia.dos Fermentados, estão em alta entre produtores. Foto: Ding MusaFoto: Ding Musa

Já sem saber o que fazer com o sem-fim de jabuticabas colhidas no sítio da família em São José do Rio Pardo (SP) – foram tachos e mais tachos de geleia –, a chef Janaína Rueda, que não dá ponto sem nó, pegou o telefone e ofereceu 100 quilos da frutinha aos sócios da Cia. dos Fermentados, Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade. “A gente aceitou na hora e colocamos tudo para fermentar.” Sessenta dias depois, as jabuticabas viraram um “espumante” tânico, comparável a um lambrusco demi-sec.

Bebidas fermentadas nãoo convencionais, como asda Cia.dos Fermentados, estão em alta entre produtores. Foto: Ding Musa

Apesar de ser feito tal e qual um espumante clássico, no qual as frutas são maceradas e as cascas, mantidas em contato com o mosto, não poderia ser chamado assim por não ser feito com uvas – coisas da legislação. Virou, então, o Borbulhante, que pode ser adquirido n’A Casa do Porco e também no site da Cia. (www.fermentarium.com.br; R$ 129). Animados com o resultado, o quarteto (some Jefferson Rueda ao time) está agora às voltas com um “espumante” de jaca, prometido para ficar pronto em fevereiro do ano que vem.

Borbulhantes, da Cia. dos Fermentados, feitos com frutas variadas. Foto: Ding Musa

Não é de hoje que Fernando e Leonardo investem na fabricação de “bebidas fermentadas não convencionais” – vide o recém-lançado livro Fermentação à Brasileira, com curadoria do Instituto Brasil a Gosto. Feitas artesanalmente a partir de chás, frutas diversas e leveduras selvagens, recebem o mínimo de intervenção: não são filtradas, pasteurizadas, tampouco conservadas com sulfitos. “Resgatamos modos de preparo ancestrais e aperfeiçoamos por meio de pesquisa, experimentos e controle de temperatura. Fermentação selvagem não é bagunça”, afirmam. Por seu fermentarium, já passaram “sidras” de carambola, de pera e de mate com frutas cítricas. Agora em cartaz estão as de maçã, de pêssego e de goiaba.

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Seguindo o movimento iniciado pela Morada Cia. Etílica – que em 2016 lançou a Epó, primeira sidra artesanal brasileira –, a vinícola Vivente, famosa por seus vinhos naturais, produz sidras desde 2018, “mas acabamos bebendo toda a produção de estreia”, contam os sócios Diego Cartier e Micael Eckert. Só no ano seguinte, com nova safra, o produto foi colocado para jogo, “e vendemos tudo em duas semanas”.

Esqueça aquela bebida doce, oferecida no mercado como substituta mais barata do espumante. Mais ácida e bem seca na boca, é produzida com um tipo de maçã específica, a granny smith, cultivada nos Campos de Cima da Serra, região do Rio Grande Sul, por José Reckziegel, primo de Micael. “Assim como existem uvas viníferas e de mesa, acreditamos que a variedade da maçã também tem influência direta na qualidade da sidra”, afirmam.

Sidra da vinícola Vivente é feita com maçãsgranny smith fermentadas por leveduras selvagens. Foto: Marcelo Curia

O método de produção é ancestral: as frutas fermentam espontaneamente por leveduras selvagens e nada mais. Não há adição de açúcar nem filtragem. “Deixamos a natureza trabalhar, intervindo minimamente para que a bebida reflita as características de cada safra”, explicam. Para gerar borbulhas mais sutis, “que se inserem com elegância ao conjunto”, o líquido é engarrafado ainda em estágio fermentativo.

Para viking ver (e beber)

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Com mel no lugar das frutas, o hidromel também parece flertar com o público sedento por novidades etílicas artesanais. Produtores têm investido no resgate e ajuste fino dessa bebida quase mística, considerada uma das mais antigas da humanidade – o elixir dos deuses e dos vikings. Mas Sandor Katz, guru dos fermentados e autor do livro A Arte da Fermentação, simplifica a definição: trata-se de um “vinho de mel”.

Um dos mais recentes lançamentos é o hidromel fruto da parceria entre a Cia. dos Fermentados e a MBee, fornecedora da matéria-prima. Além do mel silvestre de Apis mellifera, que no processo de fermentação selvagem tem os açúcares transformados em álcool em quatro meses, no finalzinho da etapa, é acrescentado ao mosto um tanto de mel de abelha nativa jataí. O resultado é uma bebida levemente doce, com 12% de volume alcoólico. Tem aroma marcante de sua fermentação, notas de carambola e goiaba branca e, por não ser filtrada nem clarificada, apresenta leve turbidez.

Hidromel feito com mel de abelha jataí, parceria da MBee com a Cia. dos Fermentados. Foto: Ana Hirata

O primeiro microlote do hidromel de jataí, com 150 garrafas, esgotou em 15 dias. A boa notícia é que o segundo lote (ainda nos tanques de fermentação) já está em pré-venda em mbee.com.br (R$ 119). A entrega está prometida para a segunda quinzena de fevereiro.

Produzido com mel silvestre da Fazenda Ambiental Fortaleza (FAF) e levedura de champanhe, o hidromel da Animali – produtora de “bebidas artesanais geladas”, há dois anos no mercado – é feito “para variar”, como estampa a latinha de 350 ml. Com apenas 5% de teor alcoólico, fruto da curta fermentação (o mosto passa de 15 a 20 dias nos tanques), tem a proposta de ser uma alternativa à cerveja. É leve, frisante e sutilmente doce (animalibebidas.com; R$ 60; 4 latas).

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“Nossa ideia é desmistificar o hidromel com uma versão menos alcoólica e mais acessível”, conta Rita Croce, sócia de Pedro Monteiro e dona das receitas. Ela conheceu a bebida anos atrás em uma cervejaria em Vermont, nos Estados Unidos, que oferecia hidromel on tap, ou seja, direto da torneira. Coincidência ou não, o hidromel da Animali é cigano, produzido na fábrica da cervejaria Dádiva, em Várzea Paulista.

Hidromel da Animali, com 5% de teor alcoólico, leve e frizante. Foto: Rita Croce

 

Na contramão, a vinícola Villa Santa Maria, instalada no Vale do Baú, no interior de São Paulo, produz um hidromel mais encorpado e alcoólico (12%), fermentado por oito meses e com passagem por barricas de carvalho americano para ajustar a acidez. “Lembra um vinho digestivo, amanteigado”, descreve Guto Carbonari, um dos sócios. O mel silvestre usado para fazer a bebida vem do Mato Grosso do Sul, da fazenda de um primo apicultor. Depois de pronto, o hidromel passa por clarificação por meio de seis ou sete trasfegas (que descartam partículas em suspensão após decantação).

Já a Arven, de Campinas, além de água, mel e tempo – 40 dias, aproximadamente, entre fermentação, clarificação e maturação –, “tempera” seus hidroméis com frutas, ervas e outros ingredientes. Há quatro versões no portfólio, além da clássica, todas com 10% de teor alcoólico. A batizada como Silvestre combina erva-doce a cascas de laranja. Já a Insônia é incrementada com grãos de café.

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Kombucha para maiores

Entusiasta das hard kombuchas, versões alcoólicas do chá verde fermentado – ainda pouco conhecidas por aqui –, Rodrigo Capote abriu em março o Atlântica, primeiro bar dedicado à bebida em São Paulo (ele fica no número 5 da efervescente Souza Lima, na Barra Funda).

Kombuchas alcoólicas saem direto das torneiras do bar Atlântica. Foto: Rodrigo Capote

Para adquirir graduação alcoólica, o chá de Camellia sinensis, já fermentado e saborizado, passa por um segundo processo fermentativo, dessa vez com leveduras de espumante e temperatura e pressão controladas.

As bebidas são produzidas ali mesmo, na fábrica instalada na lateral do bar. As torneiras do balcão jorram sabores como a Baco, com uva e lúpulo (6,2%), a Laranjeiras, com mix de frutas cítricas e flor de laranjeira (3,5%), e a de melancia com hortelã (4%). Há também versões disponíveis em latas, como a Manacá, de frutas vermelhas e hibisco (6%), e a Magnólia, com lavanda e casca de laranja (3%). A sidra da casa, vale dizer, é incrementada com lúpulo inglês e também está disponível on tap. 

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