Se a campanha que está em curso em São Paulo der certo, em breve o mundo vai conhecer o rabo de galo. Os bartenders estão fazendo um movimento pela valorização de coquetéis brasileiros, dos drinques com cachaça e ainda pelo resgate de clássicos nacionais. A lista é encabeçada pela combinação de cachaça e bitter (infusão amarga de raízes, folhas, frutos ou especiarias maceradas com bebida alcoólica neutra), que nasceu simples e barata, fez fama no balcão de padaria, ganhou o divertido nome que traduz a palavra coquetel do inglês, e está chegando às cartas de bares descolados.
Rabo de galo é o coquetel mais consumido no Brasil. Dá para acreditar? Ele não tem uma receita exata, porém, na sua criação, a proporção original era de 2/3 de cachaça para 1/3 de bitter. E nem há uma técnica fixa de preparo: as bebidas podem ser misturadas num mixing glass com gelo ou no próprio copo de servir.
A história do rabo de galo está ligada à chegada da fábrica da Cinzano a São Paulo, nos anos 1950. De olho na comunidade italiana, a empresa se instalou por aqui. Porém, logo ficou evidente que nos balcões de bares o paulistano bebia cachaça e não vermute e a empresa resolveu estimular a mistura de vermute e cachaça. Fez isso criando um copo exclusivo, com linhas da marcação das doses: “Até aqui, vermute. Daqui pra cima, cachaça”, conta o bartender Derivan de Souza, há 40 anos no mercado paulistano e hoje à frente do bar Número.
“O fundo do copo, bem grosso, também foi pensado para aguentar a batida no balcão na volta do gole. A criação foi batizada de cocktail, termo na época já consagrado nos EUA para nomear a mistura de bebidas. Com o tempo, acabaram traduzindo o nome para rabo de galo, cock é galo e tail, rabo”, conta Derivan.
De São Paulo, o rabo de galo se espalhou para o resto do País e acabou ganhando características próprias em cada região. Em Minas Gerais, rabo de galo é feito com Cynar. No Rio de Janeiro, é chamado de Traçado.
Hoje o drinque adquiriu status e, nos últimos tempos, tem sido pedido como qualquer clássico. O que os bartenders querem agora é colocar o rabo de galo na lista da Associação Internacional de Bartender (International Bartender Association, IBA), onde já está a caipirinha. Essa é a lista que reúne os grandes coquetéis do mundo com suas receitas oficiais: são 62 ao todo, incluindo a tradicional mistura de cachaça, limão e açúcar, que entrou na seleção em 1998 graças ao esforço do bartender brasileiro Derivan de Souza, que na época era o presidente da ABB. A caipirinha é o único drinque nacional no rol até agora.
Para internacionalizar o rabo de galo, a Associação Brasileira de Bartender (ABB) tem de colocar o coquetel em pauta no encontro mundial, que é anual, e ele precisa ser aprovado pelos 90 países membros da entidade. “Seria muito bom para a coquetelaria brasileira”, diz Derivan de Souza.
O bartender do Guarita Bar, David Barreiro, é um dos articuladores desse movimento de valorização do coquetel: “O rabo de galo tem um paladar mais internacional, é fácil de reproduzir, pode ser feito em qualquer lugar do mundo, diferentemente da caipirinha, que, além de ter cara de praia e de país tropical, exige um pouco mais de técnica e leva o limão-taiti, que não se acha em qualquer país.”
E como a bebida não tem uma receita fixa, nem no balcão de boteco pé-sujo nem no bar da moda, o negócio é falar de seus ingredientes, pois, aí sim, o lugar em que é feito faz diferença, já que no seu novo habitat a evolução do coquetel fica evidente.
Nesses bares, o rabo de galo é feito com medidor em punho e, quase sempre, com gelo de qualidade – uma das últimas grandes preocupações que invadiu os copos. A temperatura mais baixa diminui a percepção de amargor e a potência alcoólica da cachaça, deixando o coquetel menos agressivo, mais fácil.
Com tantos cuidados, o rabo de galo está conquistando seu lugar entre os grandes drinques. Afinal, como é que nasce um clássico? Bom, geralmente começa com uma história para contar e disponibilidade internacional dos ingredientes. A partir daí, se cair no gosto popular, ganha relevância, visibilidade e reprodução. Tá fácil, vai?
OS INGREDIENTES
1. CACHAÇA Qualidade e tipo interferem. A cachaça branca, sem característica de madeira, intensifica a potência alcoólica. A cachaça envelhecida, com característica de madeira, deixa o coquetel complexo, com camadas de sabor.
2. BITTER Bebida alcoólica amarga, infusionada com uma mistura de ervas, raízes, especiarias, frutas ou flores. Apesar de o rabo de galo original ter sido feito com o vermute Cinzano, hoje usam-se marcas variadas, além de outros bitters:
VERMUTE: a bebida à base de vinho tem doçura e muito amargor vindo da infusão de diversos botânicos. Qualidade e preço variam bastante, indo de R$ 20 a mais de R$ 200.
- Cinzano, o original: tem pouca persistência e, dependendo da proporção, pode acabar ficando apagado. - Punt e Mes: tem esse nome porque é um ponto e meio mais amargo. Além disso, traz mais características de especiarias. - Carpano Clássico: bem equilibrado nos pontos corpo, amargor e aroma, é o mais encontrado nos bares por ter o melhor custo-benefício entre os disponíveis no mercado. - Antica Fórmula: mais caro e especial, passa por madeira e agrega complexidade e equilíbrio. - Caseiro: alguns barmen têm feito o seu próprio vermute, infusionando vinho, em receitas exclusivas.
CYNAR: bebida à base de alcachofra, ervas e outras plantas, confere amargor intenso e persistente, maior que o do vermute, mas com mais doçura. Muito barato, custa em torno de R$ 15 a R$ 20.
3. OPCIONAIS
LIMÃO: Aparece bastante, como suco, guarnição ou para perfumar: a casca espremida sobre o copo.
BITTER AROMÁTICO: A finalização com um bitter aromático como Angostura, somado a outro bitter como o vermute, dá mais complexidade.
VÍDEO
A colunista Carolina Oda e o bartender David Barreiro conversaram ao vivo no Facebook sobre o rabo da galo - drinque que está na crista da onda!