Viajando pela região do Porto, no norte de Portugal, ouvi um português contando uma anedota, mas que é uma história real, sobre dois americanos que disseram, com toda a propriedade do mundo, que os Estados Unidos produzem vinho do Porto. Segundo eles, tomaram uma dose ali no Condado de Napa, na Califórnia, região produtora de vinho.
O tal português explicou com toda a paciência do mundo que não é bem assim, já que vinho do Porto só pode ser da região homônima e, mais do que isso, feito seguindo uma série de regras estabelecidas (e rigorosas!) do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto. Os turistas não ficaram bem convencidos, mas sobrou a história — e as boas risadas do português.
Denominação de origem
Esse, aliás, é o primeiro ponto a ser observado quando se vai pegar um vinho do Porto para levar para casa: a origem. Nas várias produtoras de vinhos que Paladar visitou na última semana, em viagem por Portugal, esse era o primeiro ponto a ser instituído. Americanos até podem produzir algo similar com o que é feito no país europeu, mas nunca será um Porto.
“O Vinho do Porto é um vinho licoroso, produzido na Região Demarcada do Douro, sob condições peculiares derivadas de fatores naturais e humanos”, explica o Instituto, entidade pública para a qual todas as produtoras de vinho do Porto devem enviar amostras de seus vinhos. Enólogos credenciados que vão determinar a qualidade e validar o consumo.
Isso acontece, como dito pelo IVDP, pelas características do solo: as vinícolas ficam em encostas de montanhas, em um terreno com declive, e um solo bastante seco, formado principalmente por xisto. Com isso, a videira precisa trabalhar muito mais para conseguir água. No fim, a uva vem com alta concentração, muito doce. Um guia da Quinta do Bonfim, importante produtora de vinho do Porto, explicou que a “uva precisa estar estressada”.
Depois, a uva é pisada — seja por pessoas ou por máquinas — por quatro horas, extraindo o máximo da uva e misturando nutrientes da casca ao suco que se forma. Depois disso, acontece a fermentação que dura até 48 horas, enquanto um vinho seco, de mesa, até 9 dias . Por fim, adiciona-se um álcool bem forte — a água vínica, que é também extraída da uva — para aumentar o álcool. Aliás, outra regra: o Porto deve ter 20% de teor alcóolico.
Com todas essas regras estabelecidas pelo Instituto e com as empresas seguindo à risca, já que não tem como escapar da fiscalização, beber vinho do Porto feito, justamente, em Porto é a única opção para experimentar essa bebida que faz a cabeça dos portugueses.
Tawny ou Ruby? Escolha o tipo ideal de Porto
Mas não é só isso. Outro ponto que deve ser levado em consideração é o tipo de vinho do Porto que você quer. São, basicamente, dois tipos: o Ruby e o Tawny. O primeiro tipo é armazenado em grandes barricas, com capacidade de milhares e milhares de litros, para que o vinho tenha o mínimo de contato possível com a madeira. Depois, ele é envelhecido na garrafa -- por isso, é um vinho que deve ser tomado rapidamente depois que é aberto.
É dessa categoria, aliás, que faz parte o celebrado — e também caríssimo — vinho do Porto vintage. “É considerado frequentemente como a categoria máxima do universo do Vinho do Porto, sendo especialmente vocacionado para envelhecer em garrafa”, explica o IVDP, por meio de nota. “Produzido a partir de uvas de um único ano, é engarrafado dois a três anos após a vindima, evolui gradualmente durante várias décadas em garrafa”.
O Instituto ainda explica que, nos primeiros cinco anos, o vintage mantem uma intensidade profunda, aromas exuberantes a frutos vermelhos e silvestres, tudo equilibrado por uma grande estrutura de taninos. Após dez a vinte anos – para além de se formar depósito – a cor perde alguma intensidade e atinge uma complexidade de aromas e sabores a frutos maduros. À medida que o vinho se aproxima da maturidade, o vinho torna-se tinto-alourado e a sua fruta adquire ainda maior subtileza e complexidade, com aromas de compotas, especiarias e caixa de charutos, enquanto o depósito começa a ficar mais representativo.
Vale destacar que nem todas as colheitas produzem vinhos do Porto vintage. O Instituto precisa validar que a produção daquele ano foi excepcional e, só assim, os produtores podem vendê-lo como vintage nos anos (ou até mesmo décadas) seguintes. Relato pessoal: soube, logo no começo da viagem, que meu ano de nascimento (1994) era um ano de produção vintage. Fui atrás pra comprar, mas desisti. O motivo? Uma garrafa sai por cerca de 170 euros, o que, na conversão atual, dá cerca de R$ 918. Dinheiro demais.
O outro tipo é o Tawny. É um tipo de Porto que envelhece no barril -- fica ali até mesmo por décadas. Com isso, puxa muito mais o aroma da madeira e se aproxima de um uísque, ainda que tenha todas as particularidades que um vinho do Porto deve ter. No mercado, é possível encontrar Tawny de até 50 anos. No entanto, empresas como a Graham’s já fizeram um blend de vinhos do Porto com 90 anos para presentear a Rainha Elizabeth II.
O fato é que, no paladar, o vinho do Porto precisa ter gosto mais adocicado e um sabor consistente, sem puxar para o vinagre. Se um sabor exageradamente ácido surgir na boca, é um indicativo forte de que o vinho pode não ter sido bem armazenado ou refrigerado.
Armazenamento correto
E aí vem o último ponto para ter um bom vinho do Porto em mãos: o correto armazenamento. “Depois de aberta a garrafa de Vinho do Porto, a sua conservação dependerá da categoria e do local onde será guardada”, explica o Instituto. “[Depois de aberto], vai havendo uma lenta evolução que leva à perda das características sensoriais”.
Um vintage, a categoria mais cara e complexa, pode ficar aberto apenas 1 ou 2 dias -- é, como as empresas explicam nos passeios pelas caves, um vinho para abrir em ocasiões especiais, com mais pessoas. Um Ruby Reserva, até 10 dias. Um Tawny com indicação de idade, até 4 meses -- quando mais velho for, mais tempo ele pode ficar apto para consumo.
* O repórter viajou a convite do Turismo de Portugal, do Turismo do Norte de Portugal e da TAP.