Você está em um bar e não quer pedir um drinque alcoólico, mesmo com todos ao redor com coquetéis na mão. O que fazer? Geralmente, a solução é partir para o suco ou o refrigerante, com a soda italiana correndo por fora. Mas não é a mesma coisa. E é por isso que 40 bares se uniram em todo o Brasil para promover o Mocktail Movement -- o movimento do drinque sem álcool, em tradução livre. É a busca de um público perdido.
“Estamos caminhando, lentamente, para uma sociedade inclusiva. O consumo de álcool sempre foi algo celebrado e exigido. Acho que hoje não é bem assim, e, especialmente para as gerações mais jovens, é bem comum buscar sabor, inovação, mas sem álcool no meio”, explica Maurício Porto, sócio do bar Caledônia e integrante do movimento. “É uma ótima opção para quem quer participar, mas está dirigindo ou não pode por algum motivo”.
O que é um mocktail?
Os mocktails não são novidade. O primeiro, e que é conhecido até hoje, é o celebrado Virgin Mary -- um drinque apimentado e robusto feito com suco de tomate. No entanto, foi um movimento que se perdeu e passou, inclusive, a ser mal visto. “O bartender ficava bravo com drinque sem álcool. A gente queria mostrar nosso trabalho, nossa experiência. Mas isso está mudando”, contextualiza o bartender e mixologista Marcelo Serrano.
E Virgin Mary, aliás, é um exemplo do que um mocktail deve ser: complexo, ousado, criativo, interessante. Misturar xarope com água com gás pode ficar gostoso, como o sucesso das sodas italianas comprova -- de acordo com a fabricante Monin, a soda italiana corresponde a 70% da venda de xaropes. No entanto, isso não substitui, de forma alguma, o drinque bem elaborado e que faz, em último caso, que o álcool não seja necessário.
“Mocktail precisa ter sabor”, determina Néli Pereira, jornalista, mixologista e pesquisadora de brasilidades. “Não pode ser aguado, não pode ser desequilibrado. Agora, a gente começa a entrar em um universo muito interessante, que é explorar o sabor. A gente precisa entender que precisamos ampliar o mocktail, não diminuir nossas possibilidades”.
Maurício, do Caledônia, compartilha dessa visão e conta que já começaram a experimentar novos caminhos no bar. “Sem álcool ou com pouco álcool não significa sem sabor ou com pouco sabor. Ainda mais considerando as técnicas de coquetelaria e conhecimento que temos hoje”, diz. “Há alguns meses, a Luana, bartender lá do Caledônia, criou uma espécie de Martini sem álcool. Ficou fantástico. Ela puxou para o cítrico, usando ácido cítrico e tartárico, com um pouco de salgado, para simular o sabor herbal e apimentado do gim”.
Os desafios da coquetelaria sem álcool
No Brasil, há um desafio a mais: não é possível encontrar no mercado, como acontece nos Estados Unidos e em boa parte da Europa, destilados sem álcool. Isso poderia facilitar a criação, mas acaba sendo um entrave -- que, em última instância, vira um desafio para que os mixologistas criem drinques mais interessantes. “Lá fora, o cara já tem uma porrada de bebida, de destilados. Tequila, vermute, bitter. A gente não tem nada disso. A gente tem que se virar”, diz Rafael Pizanti, Gerente de Inovação em bebidas e mixologista da Monin Brasil.
Outro ponto levantado pelos especialistas é que não dá para o consumidor esperar que o custo vai ser dramaticamente diferente de um drinque alcoólico. “A pessoa vai achar que mocktail vai custar metade do preço. Não é assim. Não é suco e chá”, diz Néli. “Pode ter suco, pode ter chá. Mas é muito além disso. O mocktail é e pode ser muito elaborado. Dá pra fazer molecular, com gelo bonito. Você não está gastando gelo, como muitos pensam”.
“Quando se paga 30, 40 reais por um drink, o pessoal espera que tenha álcool. ‘Porque, senão, o que é caro aí dentro que justifica isso? – diriam. O que é caro é o know how. É o tempo que o bartender levou para desenvolver aquilo. E a técnica”, diz Maurício Porto, ainda sobre o desafio de educar o público sobre o preço. “Tem muitos coquetéis sem álcool que passam por técnicas de clarificação, infusão, maceração. Demora, exige tempo, atenção, conhecimento. Não é descer um suco de laranja e colocar água com gás”.
Números
Ainda assim, a intuição dos especialistas é que o movimento feio pra ficar. No TikTok, a hashtag #mocktails tem mais de um bilhão de visualizações, o que mostra um interesse significativo.
Entre as diversas tendências e preferências do consumidor que impulsionam a popularidade dos mocktails, está a redução do consumo excessivo de álcool, especialmente entre jovens. Uma pesquisa recente feita pela IWSR nos Estados Unidos, em abril de 2023, mostrou que 37% dos adultos entrevistados não haviam consumido álcool nos 6 meses anteriores, e 54% entre os jovens, evidenciando uma mudança nos hábitos de consumo.
E tem o Mocktail Movement, que começou em 23 de maio. A ação conta com a participação de mais de 40 bares e restaurantes das cidades de Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, que irão destacar dois drinques sem álcool em suas cartas.
Só em São Paulo, participam bares como o Caledônia, já citado, assim como o Bar do Cofre, Bar dos Cravos, Cariri Cocktail, Cauli Bar, Cozinha 212, Fortunato Bar, Koya 88, Mundo De Betsy, Olivio Bar, Papaya Café, Sub Astor, Sub Astor Paulista, Sylvester Bar e Trinca Bar.
“Acreditamos muito no potencial desse mercado. E percebemos que ainda são poucos os estabelecimentos que disponibilizam uma carta criativa de drinques sem álcool. O público só cresce para esse tipo de consumo”, comenta Juliana Fera, Gerente de Marketing e Branding da Monin Brasil.