“O negócio do vinho é bom, o único problema é que leva 200 anos para dar dinheiro. E ainda me faltam 190”. É com essa anedota francesa e um sorrisinho discreto que Alejandro Bulgheroni, dono da Bodega Garzón, no Uruguai, responde quando alguém pergunta em quanto tempo ele espera recuperar o investimento de U$ 1 bilhão de dólares feito nos últimos dez anos para a compra de 13 vinícolas espalhadas pelo mundo.
O argentino é um magnata do petróleo, com patrimônio estimado em US$ 5,1 bilhões pela revista Forbes em 2015. Não entrou no mundo dos vinhos pensando em fazer dinheiro. Tampouco por paixão, não gosta de vinhos. Conta que foi por acaso. Comprou uma área de 250 hectares em Maldonado, pertinho de Punta del Este, no litoral uruguaio, a 250 km de Montevidéu, um lugar de muito vento, pensando em produzir energia eólica ali.
A ideia não deu certo (ainda é difícil a distribuição da energia, diz), alguém sugeriu que as terras poderiam dar bons vinhos, ele contratou o célebre enólogo italiano Alberto Antonini que viu potencial na área. Inaugurou a Bodega Garzón, há dez anos, instaurando a terceira zona vinícola do Uruguai, Maldonado, que se somou às tradicionais Canelones e Colônia. Gostou do negócio e saiu comprando vinícolas em regiões valorizadas da Europa, de Bordeaux a Montalcino, e no Napa Valley, nos Estados Unidos (Vai seguir comprando? Diz que não, aí se lembra que lhe falta uma propriedade na Rioja espanhola, “quem sabe”).
No Uruguai, ao custo de US$ 250 milhões fez uma das vinícolas mais bem equipadas e modernas do mundo. Nada ali é convencional. Ou discreto. Vinhateiros cultivam em suas propriedades apenas as variedades favorecidas pelo clima local, a Bodega Garzón tem vinhedos de mais de 20 uvas.
“Eu não tinha dez anos para esperar para ver o que daria certo, então plantamos diferentes cepas”, explica. Os vinhedos são instalados em pequenas parcelas de 2 mil metros quadrados, cada uma com mil plantas. Ao todo, são 1.200 pequenas parcelas na propriedade, um sistema caríssimo – custa 30% mais que os vinhedos maiores, demanda colheita manual, mais mão de obra e cuidado intensivo; em compensação, o controle da qualidade da uva é maior. Os vinhedos são voltados para diferentes faces: uvas brancas estão viradas para o oceano Atlântico para receber a brisa e a mineralidade. Os tintos, voltados para o Norte (exceto a Pinot Noir, que encara o leste e a Petit Verdot, o oeste).
Não houve economia tampouco na construção da vinícola, uma estrutura magnífica de 20 mil metros quadrados, com seis andares e cobertura vegetal de 7 mil metros quadrados em vez de telhado, um dos detalhes que garantiram o selo ambiental de sustentabilidade Leed para a empresa. Na prática, são três vinícolas para vinificação, além da ala para amadurecimento dos vinhos. Tudo automatizado, gigantesco, impressionante.
A primeira parte é uma ala de tulipas de concreto e barricas de carvalho onde são vinificados os rótulos mais nobres, entre eles o Balasto – este tinto é a grande estrela da Garzón, houve duas safras apenas, 2015 e 2016, e o 2017 será lançado em Setembro. O corte varia, mas tem sempre 45% de Tannat e 25% de Cabernet Franc. É elegante, complexo. Passa 18 meses em barricas de carvalho e seu apogeu está previsto para os 15 anos de idade. O da safra 2016 custa R$ 1.100 e recebeu pontuação alta de publicações especializadas, 92 pontos da Decanter, e James Suckling deu 95 pontos para a safra 2017.
Outra ala da bodega concentra os enormes tanques de inox, onde são vinificados os brancos. A estrela ali é o Albariño – o Single Vineyard foi eleito o melhor branco da América Latina pelo guia Descorchados 2018. Custa R$ 199. É ali também que se fazem os dois espumantes da casa, um Extra Brut delicado, refrescante, bastante cítrico, feito com 80% de Chardonnay e 20% Pinot Noir; e um Rosé, de cor salmão, 100% Pinot Noir, mineral e muito fresco. A produção de espumantes começou apenas para atender a própria vinícola, o restaurante e os visitantes. Paladar esteve na festa de lançamento, em dezembro de 2018. Mas fez tanto sucesso que os winemakers da casa estão tratando de aumentar a produção. Ambos custam R$ 199.
Há ainda uma área de tanques quadrados de cimento para fazer vinhos reserva. Além da ala de maturação dos vinhos.
A primeira safra da Garzón foi há apenas oito anos, em 2011. Hoje, a vinícola faz 20 vinhos – além de Balasto, Petit Clos, Colheita Tardia e os dois espumantes, divide seus rótulos em três linhas, a Single Vineyard, de vinhedo único, tem 5 rótulos; Reserva são 4 rótulos e uvas colhidas à mão; e a linha Estate tem 6 vinhos.
Tamanho investimento, tanta rapidez, a maneira particular de fazer as coisas, inclusive a criação de uma nova zona vinícola podem causar estranheza. Mas o fato é que os vinhos estão conquistando prêmios, assim como a vinícola, eleita A melhor vinícola do Novo Mundo em 2018, pelo Wine Enthusiast.
A Bodega Garzón é aberta a visitação, tem excelente restaurante sob o comando de Francis Mallmann (leia nesta página), bela produção de azeite e um campo de golfe, o único hobby de Bulgheroni (custou US$30 milhões). Ah, tem também um clube privado de vinhos, luxuosíssimo, no subterrâneo da adega, que funciona à meia luz. Mas esse é só para milionários.
Garzon by Francis Mallmann
Bodega Garzón, por Francis Malmann, tem duas bela atrações – além da comida. A parrilla em forma do domo, na cozinha, é a alma do lugar: tem um buraco para a brasa e varais em que frutas e vegetais assam pendurados. Outra atração são as paredes de vidro com vista para os vinhedos. Sabores autênticos, poucos molhos, ao estilo do chef. Prove o Tannat tonic, gim tônica de Tannat. Azeites e vinhos, só os da casa. Está nos Top 10 restaurantes de vinícola no ranking da Decanter.
* Viagem a convite da Bodega Garzón. Os vinhos são importados pela World Wine.