“Vocês precisam de mais tempo?”, perguntou o professor ao fim dos 12 minutos em que um vinho branco e um tinto deveriam ser analisados de acordo com o método de degustação dedutiva da Court of Master Sommeliers. “Sim, uns dois dias”, respondeu um aluno. O tom, misto de humor e terror, reflete o nível de detalhamento que a corte pede em uma simples degustação. São 28 campos a serem preenchidos com informações que vão do perfil aromático ao tipo de clima em que as uvas foram cultivadas. No final, o objetivo é “descobrir” de qual rótulo e safra se trata.
Parece coisa para super-herói? Faz sentido. A Court of Master Sommeliers é uma espécie de sala da justiça do vinho. Fundada em 1977 para melhorar os padrões de serviço de bebida em hotéis e restaurantes, a corte hoje tem 230 membros no mundo. Para entrar, é preciso passar por uma bateria de cursos e provas em quatro níveis. Quem assistiu ao documentário Somm, na Netflix, sabe o tamanho da encrenca. E, pela primeira vez, um curso da corte foi realizado no Brasil, país que ainda não conta com um master sommelier, embora existam candidatos (leia ao lado).
O Paladar acompanhou uma aula do curso introdutório e conversou com os professores, os americanos Keith Goldston e George Miliotes. Eram 25 alunos em dois dias de aula e um de prova. Além da técnica de degustação, o conteúdo é apresentado como uma espécie de “memorex” de países produtores, harmonização e serviço.
Na aula, ressaltaram que a Pinotage é uma uva que não viaja bem, mas que, “acreditem, é ótima na África do Sul”; que o estado de Nova York tem um terroir fantástico para a Riesling; que é preciso dedicação para pronunciar bem os nomes das variedades autóctones gregas; e que os neozelandeses fazem um incrível vinho fortificado misturando as técnicas do Porto, do Madeira e do Jerez na indicação geográfica de Rutherglen com a cepa Muscat. Apesar do conteúdo vasto, o que pega mesmo é a degustação: faz os olhos brilharem de excitação e medo.
Goldston, um dos professores, contou que, quando se preparava para o teste que o tornaria master sommelier, fez seis degustações por dia durante dois meses. Miliotes diz que, ao longo de sete anos, estudou durante cinco horas por dia.
Para eles, a procura pelos cursos cresceu com a popularidade do documentário. É comum serem abordados por clientes, quando veem o broche da corte no paletó, para que demonstrem a degustação às cegas, mesmo que eles saibam de que vinho se trata. “Ser sommelier virou uma coisa bacana. O problema é que as pessoas esquecem que é uma profissão que requer 11 horas por dia de trabalho duro, em pé, arrumando caixas e caixas”, diz Goldston.
Diante do sucesso, a escola Enocultura, que trouxe o curso da Court of Master Sommeliers ao Brasil, abrirá outra turma até o fim do ano.
DICAS DOS MASTER SOMMELIERS
Para sommeliers Ser sommelier não é fácil. As pessoas chegam com fome ao restaurante e o humor fica muito afetado. Quando sentir que o clima está pesado e que o contato pode ser difícil, mande uma entrada para a mesa e a coisa muda logo de figura.
Para quem gosta de vinho Beba o que você gosta, sem se preocupar com regras de harmonização. Se você escolher um vinho de boa qualidade, experimente-o com diferentes pratos. Você pode ter boas surpresas. Mas fique atento à temperatura. Isso, sim, mata um vinho.
Ela degusta até 40 vinhos por dia. Só para treinar
Jessica Marinzek, 31, diz que é uma nerd do vinho. A sommelière trabalha dez horas por dia na área, como principal compradora da Evino, site e importadora, e dando aulas. Quando chega em casa, se debruça sobre o tema para estudar por mais três horas. E tem os períodos em que fica no transporte público, quando aproveita para ler. Tem até dormido menos para dar conta do conteúdo que precisa dominar para seguir rumo ao título de master sommelier.
Tudo começou quando trabalhava como comissária de bordo da Emirates, que dava treinamento de serviço de vinhos e 90% de desconto em viagens nas folgas. Jessica começou a visitar vinícolas ao redor do mundo e decidiu que ali podia estar uma nova carreira. Foi morar em Malta, onde atuou como sommelière, e passou a viajar para diferentes pontos da Europa para fazer os cursos da Wine and Spirit Education Trust (está no nível 4, o último) e os da Court of Master Sommeliers (hoje no nível 3, o penúltimo).
Seu treinamento atual é intenso. Num dia fraco, prova dois vinhos. Nos mais concorridos, até 40. Faz até vídeos da prática, que posta em seu Canal do Vinho no YouTube.
Com tanta correria, sabe o que ela faz para descansar? Toma vinho. “Algo pouco complexo, para relaxar, um Valpolicella, um Beaujolais Villages, um Pinot Grigio. Eu não enjoo”, diz.
Jéssica indica dois vinhos de menos de R$ 80:
Cellier des Princes Principautpe D'Organge
Origem: Provença, França, 2014Preço: R$ 77,80 na Evino
“Corte de Grenache, Syrah, Caladoc e Carignan da Provença, com 13% de teor alcoólico. Estagia por seis meses em inox. De corpo médio, vai bem com carne de porco e ensopados com legumes.”
Sette aje Nerello Mascalese Terre Siciliane
Origem: Sicília, ItáliaPreço: R$ 69,90 na Evino
“A cepa Nerello Mascalese é boa opção pra quem gosta de Pinot Noir. Tem aromas de cereja e morango. O vinho é fresco, com taninos macios; o teor alcoólico é 13,5%, e o corpo é médio. Vai bem com massa com molho de tomate e carne com molho.