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Bebida

Olfato é um sentido esquecido, diz especialista

Jornalista convertida em sommelière, Bianka Bosker conta sua trajetória de treinamento olfativo intensivo no livro 'Cork Dork'

Jornalista convertida em sommelière, Bianka Bosker conta sua trajetória de treinamento olfativo intensivo no livro Cork Dork. Foto: DivulgaçãoFoto: Divulgação

Bianca Bosker era uma jornalista de tecnologia, que escrevia sobre os Googles e Snapchats da vida, quando se viu obcecada por vídeos de degustação às cegas em campeonatos de sommelier. Decidiu que ela mesma viraria um desses “super-heróis” do vinho e se converteu em uma “nerd da rolha”. É justamente este termo que batizou o livro em que conta sua trajetória de conversão, que inclui sessões inacreditáveis de treinamento de olfato e degustação, Cork Dork (sem tradução em português).

Jornalista convertida em sommelière, Bianka Bosker conta sua trajetória de treinamento olfativo intensivo no livro Cork Dork Foto: Divulgação

 

No livro, você discute como historicamente e filosoficamente o olfato sempre foi considerado o sentido menos importante. Mas, ao mesmo tempo, notamos que cresce o vocabulário usado para descrever aromas. Como as duas coisas são compatíveis?

São duas coisas. Ao mesmo tempo que o vocabulário do vinho está crescendo, os aromas ainda não são conscientemente percebidos por boa parte das pessoas. Olfato é um sentido esquecido. Nós temos cinco sentidos e ignoramos um deles. Espero que novas pesquisas mudem isso. Há estudos que mostram o mito da evolução dos humanos como ruins de olfato. Tenho viajado o país para tentar fazer com que as pessoas prestem mais atenção ao cheiro. Mas ainda há um preconceito grande contra ele.

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Há muita gente que desconfia das notas de degustação por não encontrar aqueles aromas no vinho. O que você pensa disso?

As notas de degustação foram criadas nos anos 1970 e eram bem específicas em sua origem, limitadas a um leque fechado de aromas. As referências aos vinhos eram muito concretas: amora, laranja, limão. O que vimos desde então é que elas têm se transformado em uma língua confusa, em que o marketing fica maior que o significado. Muitas vezes, o que se escreve é uma espécie de fantasia para alimentar a curiosidade.

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Quando comecei a treinar para ser sommelier, fiquei muito frustrada porque notei que falávamos como se recitássemos uma receita de poção mágica: hálito de bebê, suor. Tive um professor que sempre citava marmelo, mas nunca teve a chance de cheirar um.  Para se entender os cheiros é preciso ter linguagem; ao treinar, deve-se colocar palavras nos aromas.  Fiz as pazes com as notas de degustação ao perceber que cada linguagem serve a um propósito. Há momentos em que dizer que um vinho tem tostado me basta; em outros, é o caso de pegar a curiosidade de alguém e dizer que um Gamay é o tio doidão da Pinot Noir. 

Aumentar sua capacidade olfativa melhorou sua experiência com o vinho?

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Não só transformou como revolucionou minha experiência para além da mesa. Há muita informação que nós ignoramos ao negligenciar o olfato. Além de reunir mais conhecimento sobre o mundo, prestar atenção nos aromas me proporciona vislumbres ocasionais de beleza que eu não conhecia. Cada taça de vinho tem uma história para contar: pode ser uma história que você houve no aeroporto ou uma grande obra da literatura, mas é uma história. E, finalmente, nós conseguimos sentir cinco sabores e um trilhão de odores. O vinho vem mais do cheiro que do gosto. Vivo nos EUA e eu consigo cheirar as estações do ano mudando, sei qual a próxima estação de metrô mesmo antes de ver a placa. 

Você continua fazendo treinamento de olfato?

Sim, absolutamente. Além de ser importantíssimo criar uma memória olfativa, você tem que internalizá-la, para que ela seja uma coisa natural.

Um perfumista me aconselhou a descrever cada cheiro que eu encontrasse no meu dia: o meu shampoo de manhã, o antisséptico bucal, a pimenta que eu usava no almoço. Eu paro para cheirar uma flor e digo o seu nome, transcrevo em palavras o seu aroma. Tem algo de almíscar, é doce, terroso, frutado... É como aprender uma nova língua. Para aprender o que uma pessoa está falando, você tem que colocar significado ao som. Com cheiros é a mesma coisa.

E como foi usar o kit de aromas?

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Foi muito importante para mim. Havia outras opções, é claro que você pode treinar de outras maneiras, ao longo do seu dia, na sua ida ao trabalho, há diferentes cheiros no transporte público. Você pode treinar ao cozinhar, no café da manhã, mas eu queria uma forma mais sistemática. Eu escolhia quatro elementos para cheirar duas vezes por dia, de manhã e de noite, por semanas. A ideia é que você cheire esses elementos, fale os nomes deles e depois faz isso às cegas. Depois de algumas semana, você escolhe outros elementos. Para esse método, o kit de aromas é ótimo porque depois você pode fazer às cegas. Eu usei o nez du vin, que me ajudou muito. Em alguns casos, claro, o elemento sintético é diferente do real, como no do limão. Mas para começar é excelente.

No seu livro você fala muito em papo furado. E tem muita gente que acha que tem muita lorota no mundo do vinho. O que você diz disso?

Muito da beleza do vinho vem desses dois sentidos esquecidos, o paladar e o olfato. Para os bebedores mais casuais, pode ser desconcertante ouvir pessoas muito treinadas falarem poeticamente sobre aromas e paladar. É quase como se houvesse um problema de comunicação, porque eles não aprenderam a “ouvir” o seu nariz da maneira que os experts o fazem. Acho que o problema é que muitos dos cursos de vinho ensinam o que provar, focam em regiões e uvas, mas falam pouco sobre como provar.  Parte da lorota vem do fato que, historicamente, no mundo do vinho se enfatiza o romance, a tradição, o conto de fadas. Na minha jornada, aprendi que a realidade é mais complexa. Você precisa de todos os seus sentidos. 

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