Se você quer conhecer o Chile, beba um País. A dica parece confusa, mas é certeira: vem de Patricio Tapia, um dos mais influentes críticos latino-americanos, autor do guia Descorchados. “É o que há de mais chileno que o Chile pode oferecer ao mundo”, disse ele, em referência à uva País, também conhecida como Mission, que vive uma espécie de renascimento. Mas como uma uva conhecida por seus vinhos de garrafão e banida dos cursos de enologia virou a maior expressão de uma nação célebre pela vinicultura?
Tudo começou com o “vinhateiro mais radical” do Chile, o francês Louis Antoine Luyt, que saiu em uma verdadeira cruzada para tirar a melhor expressão possível de vinhedos centenários, usando maceração carbônica para domar os taninos potencialmente adstringentes e acentuar os aromas de fruta.
Segundo Tapia, Luyt mostrou uma face original da País, logo copiada por outros, até chegar ao maior esforço visto até hoje, o da Concha Y Toro. O principal projeto do novo centro de pesquisa da empresa é explorar a País, ao experimentar diversas estratégias de vinificação. Os testes envolvem diferentes temperaturas, tempo e métodos de extração. Sebastien Vargas, cientista e enólogo da Concha Y Toro, diz que não é uma uva difícil de cultivar, mas muito dura para se vinificar.
Os números confirmam: no Chile, a País é a segunda uva mais plantada, atrás da Cabernet Sauvignon, com cerca de 13% da área de vinhedos do país. As principais regiões produtoras são os vales de Maule e Bío Bío, no sul, onde é querida por produtores mais velhos, que a cultivam em terras não-irrigadas. Até pouco após a virada do milênio, era usada para compor rosés baratos e hoje, apesar da moda, ainda há focos de resistência contra a cepa.
Suas principais características são vigor, produtividade e tolerância à seca. Os vinhos são frescos, com acidez característica de frutas vermelhas e textura que fica aveludada com a idade, lembrando a sul-africana Cinsaut (ou Cinsault), de acordo com a crítica Jancis Robinson.
Suas maiores desvantagens, segundo os pesquisadores da Concha Y Toro, são a relativa falta de cor, seu perfil extremamente seco e os aromas simples, que podem ser melhorados com o método correto de vinificação. “Temos que entender a variedade e identificar oportunidades. Não podemos fazer simplesmente um tinto corpulento”, disse Gerard Causabon, diretor do centro de pesquisa, ao site Drinks Business.
A Miguel Torres viu potencial para um espumante. Em parceria com a Universidade de Talca e com incentivos governamentais que têm como objetivo a valorização da País, lançaram em 2011 o brut Santa Digna Estelado, anunciado como “o primeiro espumante verdadeiramente chileno”. O rótulo será vendido pela Wine.com.br a partir de março.
A ideia de que a País é extremamente chilena é oportuna, porque funciona como um silenciador para críticas de que Chile não tem uma identidade em termos de vinicultura, e faz sentido historicamente. Pesquisas de rastreamento de DNA ligam a País à espanhola Listán Prieto, que sofreu ataque implacável da filoxera na Europa, mas que, levada da Espanha nos séculos 16 e 17 para quatro diferentes regiões onde recebeu novos nomes, hoje sobrevive.
Desconfia-se, aliás, que ela foi a primeira uva a ser introduzida nas Américas a partir do Velho Mundo, levada por missionários franciscanos ao México, onde recebeu o nome de Misión. Migrou para os EUA, onde virou Mission. Foi à Argentina, onde se tornou Criolla Chica, e chegou ao Chile no meio do século 16 com os conquistadores, que a chamavam de uva negra. Apenas no século 19 é que ficou conhecida como País. Naquela época, reinou soberana no Chile, até ter sua hegemonia quebrada por castas francesas como Cabernet Sauvignon e Carménère.
HOUSE ATERCIOPELADO 2014Origem: Casablanca, ChilePreço: R$ 179 na Grand Cru Com 80% de País e 20% de Malbec, estagia três meses em barricas. Tem aromas de ervas e frutas vermelhas, 14,5% de álcool e pode ser guardado por sete anos. Bom exemplo de como a País reconquistou os chilenos.
MARQUÊS DE CASA CONCHA 2014Origem: Maule, ChilePreço: R$ 149 na Ville du Vin Produzido com uvas cultivadas sem irrigação, este corte de País e Cinsault estagia em barris. Fresco e frutado (notas de groselha e framboesa), tem 12% de álcool e corpo leve.
MIGUEL TORRES RESERVA DEL PUEBLO 2014 Origem: Vale de Curicó, ChilePreço: R$ 51 na Wine.com.br Um dos mais bem avaliados exemplares de País do guia Descorchados, este tinto de cor rubi tem aromas de frutas vermelhas e é refrescante, com taninos firmes e um toque rústico.
EL PAIS DE QUENEHUAO 2009Origem:Maule, ChilePreço: R$ 76,20 Produzido pela Domaine Clos Ouvert de Louis Antoine Luyt, que na safra seguinte foi fechada pelo terremoto que abalou grande parte do Chile, com maceração carbônica sob a consultoria de Marcel Lapierre (morto em 2010), considerado o principal responsável por restaurar a reputação dos vinhos do Beaujolais.
CACIQUE MARAVILLA PIPEÑO PAÍS 2014 Origem:Yumbel, ChilePreço: R$ 95,60 na Bacco’s (1 litro) Este rótulo é um favorito dos sommeliers mais moderninhos e também faz bonito no guia de Patricio Tapias. Tem cor rubi opaco, notas de frutas vermelhas, eucalipto, terra molhada e couro. É leve, apresenta ótima acidez e tem taninos finos e adocicados.
CHILCAS SINGLE VINEYARD PAIS 2011 Origem: Maule, ChilePreço: R$ 144,90 na Bacco’s Este País mostra bem a ideia da cor “desbotada” da uva: tem coloração telha e aparência translúcida. Os aromas contradizem a aparência: é intenso, com notas apimentadas e de terra. Tem bom corpo e taninos persistentes -- estagia de 12 a 14 meses em barricas, sendo 25% delas carvalho francês novo.