De Analândia
São 10h da manhã e chega a primeira taça de cachaça. Não é dose nem pinga. Muito menos um bando de cachaceiros. São degustadores de cachaça, que mexem a taça para lá e para cá para sentir os aromas, avaliar o retrogosto, conferir a lágrima...
+Veja a lista completa das melhores 50 cachaças
Vez ou outra uma seringa com um pouco de água é injetada para abrir os aromas da bebida, depois é a vez de levá-la à boca. E a cena se repete por todo o sábado e a manhã de domingo do fim de semana que passou, até que os 11 jurados provem as 50 cachaças finalistas da segunda edição do Ranking Cúpula da Cachaça, em Analândia, a 238 km de São Paulo.
Cada bateria é formada por seis taças e a degustação começa pelas cachaças transparentes. Logo na segunda bateria, das seis, apenas duas ainda são branquinhas – as outras quatro que formam a rodada são amarelo-palha. E daí para frente o amarelo fica cada vez mais intenso, chegando ao âmbar, tom que se aproxima da cor de uísque.
Não é necessário esperar o resultado do ranking para chegar à conclusão: a cachaça pode até ser apelidada de branquinha, mas a busca por qualidade e complexidade está deixando-a cada vez mais dourada.
De gole em gole, e tendo à mão uma ficha com 13 quesitos a serem avaliados, eles dão notas para aspecto visual, olfato, gosto e conjunto da obra. Como em qualquer degustação às cegas, não sabem o que estão bebendo – as garrafas iguais e sem rótulo são numeradas para que o estatístico André Gomes Carneiro, convidado do ranking, possa tabular as notas. E nem eles sabem o resultado da avaliação, anunciado aqui em primeira mão pelo Paladar.
Então vamos lá: a melhor cachaça do Brasil é a Porto Morretes Premium, produzida no Paraná, envelhecida três anos em carvalho. Bebidas com estágio em carvalho, amburana, bálsamo e outras madeiras ocupam as 37 primeiras posições da lista. A primeira branquinha figura em 38º lugar – em 2014, a primeira prata estava em 25º.
O tempo de amadurecimento da cachaça também aumentou de dois anos para cá: marcas já presentes na primeira edição do Ranking apareceram com rótulos mais envelhecidos. Exemplo: em 2014, a Bento Albino competiu com cachaça maturada dois anos em carvalho; desta vez, foi representada por sua cachaça com seis anos de estágio em barris da mesma madeira; a Dona Beja maturada por três anos deu lugar à Dona Beja envelhecida por 12 anos.
O movimento é interpretado, por um lado, como uma resposta à demanda do consumidor e, por outro, como um anseio dos próprios produtores de competir de igual para igual num mercado de destilados dominado por uísque e conhaque.
Daí a tantas marcas preferirem o carvalho, madeira usada na indústria do vinho e de destilados. Os membros da Cúpula reconhecem a sua alta qualidade, mas lamentam que ela deixe várias cachaças parecidas entre si e, pior, com aspectos que remetem a outro tipo de bebida.
“Cachaça tem que ser cachaça. E o Brasil é riquíssimo em madeiras. Temos de brigar pela nossa identidade”, diz Milton Lima, presidente da Cúpula. Há cerca de 40 madeiras brasileiras homologadas para envelhecer cachaça. Entre as dez primeiras colocadas no Ranking, só duas maturaram em madeiras brasileiras: Sanhaçu Umburana (4º) e Anísio Santiago (10º), que fica oito anos no bálsamo.
Medalha de prata (mas não é o segundo lugar)
Em meio a um mundo de madeiras – e a complexidade de aromas e sabores que elas dão à cachaça –, pode parecer injusta a competição entre cachaças pratas (sem coloração) e as de cores que vão de amarelo-palha a âmbar. A própria Cúpula da Cachaça estuda uma maneira de, na próxima edição do ranking, estabelecer duas categorias e avaliar as cachaças claras separadamente. Neste ano, só oito branquinhas concorreram. A mais bem colocada foi a Reserva do Nosco Prata, em 38º lugar – em 2014, a primeira prata ficou em 25º.
Produzido em Resende (RJ), esse rótulo da Reserva do Nosco é apenas armazenado em inox, mas nem toda prata significa ausência de madeira.
Algumas madeiras, como amendoim, jequitibá e freijó, são neutras a ponto de não influenciarem na cor nem tanto nas características sensoriais. Mas, então, por que passar pela madeira? Segundo Maurício Maia, ela serve para “aparar algumas arestas da bebida, amaciá-la”, o que é possível graças à troca de oxigênio da bebida com o exterior por meio dos microporos da madeira.
O PROCESSO
A Cúpula da Cachaça foi fundada em 2013 e realizou a primeira edição do Ranking da Cachaça em 2014. Bienal, a segunda edição é esta, resultado da degustação realizada no último fim de semana. A votação começou pela internet, em agosto: qualquer pessoa podia indicar três rótulos. Da lista com mais de mil indicadas, a Cúpula reduziu para 250 rótulos, baseada em normas do Ministério da Agricultura. As 50 finalistas foram selecionadas por integrantes da Cúpula e 26 convidados, e foram degustadas às cegas pelos membros da Cúpula.
CONHEÇA OS JURADOS
Cesar Adames. Especialista em destilados e tabaco, é consultor e professor.Dirley Fernandes. Dirigiu o documentário Devotos da Cachaça (2010) e é autor do blog de mesmo nome.Erwin Weimann. Químico, é responsável pela criação de várias cachaças e autor do livro Cachaça – A Bebida Brasileira.Glauco Mello Jr. Engenheiro químico especialista em fermentação alcoólica e na cadeia produtiva da cana.Leandro Batista. Sommelier de cachaça, passou nove anos no restaurante Mocotó.Leandro Marelli. Pós-doutor em tecnologia e no controle de qualidade de bebidas.Manoel Agostinho Lima Novo. Consultor e autor do livro Viagem ao Mundo da Cachaça.Maurício Maia. Jurado em concursos de destilados e autor do site O Cachacier.Milton Lima. Dono da Cachaçaria Macaúva (em Analândia-SP) e autor do site Cachaças.com.Nelson Duarte. Mestre-alambiqueiro e autor do livro Cachaça de Alambique.Sidnei Maschio. Degustador e colecionador de cachaças.