Tomás Bermúdez não brinca em serviço: de uma vez conquistou o 51° e o 95º lugar entre os melhores restaurantes da América Latina. Ambos os postos com mesmo nome e cidade – o La Docena e a Cidade do México. Cada um, porém, em um bairro.
“A diferença é a colônia em que estamos. Compartilhamos totalmente o mesmo design, a mesma essência, a mesma comida e a mesma vibe. Em Polanco jogamos mais como locais e se sente que estrangeiros tomam Roma como primeira ou última parada da estadia”, comenta Tomás.
O problema é que, se for a primeira e a pessoa ainda der a sorte de ser recebido pelo chef, bate vontade de morar na parada. Para quem gosta de frutos do mar, o La Docena é um acontecimento: bluefin, vieiras de tamanhos jamais visto e amêijoas de apelidos poéticos – generosa, catarina, chocolata, blanca, mantequilla...
Somando essas maravilhosidades, Tomás usa mais de 200 quilos semanais por casa: “Cada semana é diferente, ou porque foi o que os pescadores trouxeram do mar ou porque não repito receitas, à parte o peixe espalmado na brasa”.
100% Mexicano
“Tudo é mexicano, até o wagyu é da minha cidade, Durango. A única exceção é o azeite, espanhol, e o champanhe. Ah, a trilha sonora é muito mexicana, mas me dou o direito de colocar coisa do mundo todo”, conta o chef-DJ que, além dos pescados, faz rigorosa seleção de vinhos nacionais, de milhos para as tortillas e de vegetais.
À mesa a pesquisa reverte em receitas sem afetações, solares, dessas que harmonizam com conversas animadas e outras felicidades. “A grande inspiração dos pratos é a matéria-prima mexicana de alta qualidade, o peixe mais fresco e limpo que se pode encontrar não pede mais que sal, azeite e limão”, exemplifica o cozinheiro.
A saber: o La Docena nasceu de um restaurante argentino na cidade de Guadalajara. Dele sobraram os sócios, a parrilla, o bar, o clima despretensioso e o líder da cozinha. Dele nasceram mais três sucursais, incluindo as duas na Cidade do México.
Roteiro Gastronômico
Apoiador real de produtores, Tomás mostra a qualidade da gastronomia mexicana com eles. Não à toa, o primeiro passeio proposto para quem só tem 48 horas na capital mexicana, é pelos canais de Xochimilco, remanescentes do sistema de água dos astecas. Ali, no sul da capital, é só tomar uma traineira até o Arca Tierra. Detalhe: antes das 6 horas, junto ao nascer do sol.
Sob a bruma chega-se a plantações agroecológicas, de onde saem ingredientes para um café da manhã farto e ancestral, com direito a milho crioulo em quesadillas, gorditas (as arepas locais) e tlacoyos, além de salada recém-colhida, café e chá.
Na toada das tradições, o almoço é no Nicos. Quase septuagenário, o restaurante familiar abre logo cedo e brilha com tacos intensos, como o de cecina (embutido de carne de vaca) crocante com guacamole em tortilla de milho, o de barriga de porco com mel e cerveja em tortilha de trigo ou o “inflado” pela fritura coberto com feijão.
Este ano o Nicos ganhou menção no Michelin. Falando no principal guia gastronômico do mundo, Tomás faz questão de prestigiar os dois únicos duas estrelas da cidade – o Pujol e o Quintonil.
O primeiro foi aberto no ano 2000 pelo chef Enrique Olvera. Tido como o 33º na lista do World’s 50 Best Restaurant é famoso pelo “mole madre”, molho que vem sendo maturado há quase 3 mil días, servido com um “mole nuevo”. O prato reflete a ousadia baseada em ingredientes e técnicas enraizadas na cultura local, mas sempre com um twist autoral.
O lugar é grande, tem jardim, é belo e formal, diferente do aconchegante Quintonil, atualmente tido como o 7º melhor restaurante do mundo. Intimista e com um serviço impecável, tem um banquete que ora parece um piquenique – um montão de itens sobre a mesa, que o chef Jorge Vallejo chama de Festival de entomofagia.
No momento, esta etapa do menu é composta por ceviche de vegetais da horta em leite de tigre de palma defumado; churrasco de cordeiro temperado com gafanhotinhos (chapulínes); linguiça caseira com feijão; hummus amendoado; tortillas de milho crioulo de origem entre outras receitinhas que podem ser combinadas ao gosto – e criatividade – do comensal.
Tomás sugere um jantar duplamente estrelado por noite e ao menos uma saideira, no caso, no Handshake, bar que acaba de ser coroado o melhor do mundo e tem a piña colada mais apreciada do planeta.
Para ninguém se perder na conta das 48 horas gastronômicas: foram dois almoços (o da primeira parada no La Docena e o Nicos), dois jantares Michelin e um café da manhã no Arca Tierra. O segundo fica para a Panadería Rosetta.
A padaria de Elena Reygadas, eleita a melhor chef do mundo pelo 50 Best em 2023, tem quase 50 tipos de pães. É um mergulho em massas tradicionais do México, técnicas quase esquecidas e fermentações vagarosas. Mas não só.
Na parte doce, os maiores hits são o roll de goiaba e o sonho de marmelo; na salgada, há sanduíches generosos, como o de peru com abacate e pesto de avelãs e receitas com ovos, como os huevos ahogados, o shakshuka local, que vem com pão camponês.