O Dia de São Cosme e Damião, celebrado oficialmente pela Igreja Católica desde 1969 no dia 26 de setembro e pelas religiões de matrizes africanas no dia 27 de setembro, tem como uma de suas tradições a distribuição de doces para crianças. Essa prática, que celebra doces clássicos da nossa culinária, é tipicamente brasileira, bem como as influências das religiões africanas nas celebrações dessa data.
A devoção a esses santos remonta ao período colonial. Segundo Heitor Montenegro de Carvalho*, historiador e mestrando do PPGH da Universidade Estadual de Campinas, a igreja mais antiga em atividade no Brasil é em homenagem a esses santos: a Igreja de São Cosme e Damião, localizada no município pernambucano de Igarassu.
“De acordo com a fé católica, Cosme e Damião foram médicos Anárgiros que não aceitavam qualquer forma de pagamento por sua caridade. Foram martirizados na Síria do século III, durante o reinado do imperador romano Diocleciano, em função de sua fé cristã.”
No restante do mundo, esses santos não têm correlação direta com as crianças, e o historiador ressalta que essa tradição tem relação com o sincretismo religioso do período da escravização africana no Brasil. “É importante termos em mente a relação intrínseca entre a devoção a estes santos católicos e o culto aos orixás gêmeos, os Ibejis, oriundos da religião Iorubá, encontrando ecos nas religiões de matriz africana do Brasil (candomblé e umbanda), assim como na Santeria cubana”, destaca.
Ele explica que os Ibejis, para a fé Iorubá, representam a pureza e a inteligência sagaz das crianças. “São gêmeos, nascidos de Oiá, mas criados por Oxum. Na tradição oral do candomblé, os irmãos brincalhões se utilizaram de sua astúcia para enganar a morte (Icu) e em outro episódio, salvaram sua cidade da seca.”
A influência das religiões de matriz africana nas celebrações de Cosme e Damião também contam com a presença da religião Vodum, com a figura de Hoho, que representa os gêmeos, sinais de bom presságio no nascimento para ambas as religiões africanas (Iorubá e Vodum).
As associações dessas religiões com Cosme e Damião surgiria, então, pelo movimento de resistência e preservação da religião e cultura africana em face à perseguição e opressão religiosa. A população escravizada seguia cultuando as suas entidades ao mesmo tempo que as identificavam por associação nos santos cristãos.
O culto às entidades crianças e relacionadas ao nascimento teria dado origem então, à distribuição dos doces na data, apesar de não representarem a única tradição culinária da data: o Caruru - cozido à base de quiabo, azeite de dendê e frutos do mar - é uma receita tipicamente consumida no Dia de São Cosme e Damião pelo Nordeste brasileiro.
Quanto aos fenômenos recentes relacionados aos doces, guloseimas ultraprocessadas, como balas, pirulitos, confeitos, chocolates e biscoitos tomam conta de parte das celebrações, mas nada substitui os deliciosos quitutes caseiros clássicos da confeitaria nacional para essa celebração.
Os doces brasileiros são destaque, mas a data também é uma oportunidade para testar e ampliar as habilidades na cozinha com sobremesas que têm sabor de infância. A seguir, você pode conferir algumas receitas doces para celebrar o Dia de São Cosme e Damião.
Maria-mole
Para a chef Helô Bacellar, do Na Cozinha da Helô, a maria-mole é um dos doces mais subestimados da confeitaria brasileira, e é uma das sobremesas que mais marcou a sua infância. Essa sobremesa prática e delicada tem como base o merengue, que terá a adição de um pouco de gelatina incolor para dar estrutura. Tudo é finalizado com flocos finos de coco, que podem ser tostados um pouco na frigideira para fazer maria-mole com sabor de coco queimado.
Bala de coco
Outra receita de infância de Helô Bacellar, mais um doce que leva coco. Sabe aquelas balas de coco que derretem na boca? Pois bem, você pode aprender o passo a passo para prepará-las em casa. A receita é um tanto trabalhosa e requer bastante atenção ao processo, mas pode ser uma experiência enriquecedora e diferente na cozinha, e o resultado fica magnífico.
Helô dá algumas opções para a finalização, uma para fazer a bala de coco tradicional, e outra para fazer bala de coco gelada, que tem alguns passos extra. Também vale inovar e fazer balas de coco com outros sabores, como nozes, amendoim ou raspas de limão misturados na massa.
Bala de café
Uma bala mais simples de fazer, mas não menos saborosa, é a bala de café, igual às que se serviam antigamente, e que fecha as contribuições de Helô Bacellar para este caderno. A ideia é utilizar o café passado forte, junto ao mel, leite e outros ingredientes, em uma bala que é perfeita para embrulhar no papel manteiga e presentear.
Bala de caramelo de microondas
A chef confeiteira Lu Bonometti ensina a fazer o que provavelmente é o doce mais prático da lista. Basta misturar seis ingredientes e deixar poucos minutos no microondas para ter uma bala bem ‘puxenta’ e caramelizada. A receita recentemente viralizou nas redes sociais, e essa versão foi testada e aprovada pela confeiteira.
Biscoito de amêndoas
Bonometti também ensina a fazer um biscoito típico da cidade de Pádua, na Itália, que é uma receita-homenagem a Santo Antônio, santidade portuguesa sepultada na região. A base do doce é muito simples, levando apenas amêndoas, claras de ovo, laranja cristalizada e açúcar. Vale a pena experimentar.
Quindim com coco fresco
Essa receita brasileira tomou a forma que conhecemos hoje pelas mãos de mulheres escravizadas, e o coco fresco é o ingrediente que difere as Brisas do Lis portuguesas do quindim brasileiro: fácil de fazer, clássico e delicioso. Essa versão é da chef Mari Adania, da Feliciana Pães.
Pé-de-moleque com chocolate
A chef e padeira Helena Mil-Homens, da padaria St. Chico, mostra uma variação do clássico pé-de-moleque, que ganha uma cobertura de chocolate cremosa e prática, dando um toque diferente para o doce. O amendoim é adicionado na parte com o chocolate, que vai por cima de uma massa doce bem prática.
*Referências: Mitologia dos Orixás, de Reginaldo Prandi; Santo de Casa: Fé, crenças e festas de cada dia, de Luiz Antonio Simas; Sacerdotisas Voduns e rainhas do rosário: mulheres africanas e inquisição em Minas Gerais (século XVIII), de Aldair Rodrigues e Moacir Maia;