Se alguém me perguntar qual o tema de A Porta ao Lado, novo filme da cineasta Júlia Rezende (Ponte Aérea) e que chegou aos cinemas já nesta quinta-feira, 9, não penso duas vezes antes de responder: desejo. Ainda que seja um bom tratado sobre as relações humanas nos tempos contemporâneos, é o desejo que acaba atravessando todos os temas. E, falando em desejo, uma subtemática não poderia ficar de fora do filme: a comida.
Na trama, acompanhamos dois casais de vizinhos: Mari (Letícia Colin) e Rafa (Dan Ferreira) e Isis (Bárbara Paz) e Fred (Tulio Starling). O primeiro é um casal monogâmico, que vive uma tradicional vida a dois. O outro é um casal não-monogâmico, que vive uma vida livre de amor e relações. É desse encontro que nascem sentimentos conflitantes. E a comida? Ela é o centro da história de três desses quatro personagens envolvidos em conflitos amorosos.
Mari, pra começar, é chef de cozinha. Ela comanda um restaurante de gastronomia aparentemente contemporânea, bem perto de sua casa. Não fica muito claro o que ela oferece de comida por ali, mas alguns ingredientes se tornam marcantes -- como uma lindíssima pitaya. Do outro lado, Isis e Fred também estão envolvidos com comida, mas bem no início da produção: eles têm uma fazendo de cultivos orgânicos no interior.
“O que eu acho muito legal dessa coisa da comida é que é uma coisa viva, como o nosso trabalho. Tem tudo a ver. No filme, a comida é uma personagem. Faz com que esses casais se aproximem. É o catalisador dessa relação. E tem a ver com desejo, com apetite, com fome, com carne, com prazer. Então acho que é muito pertinente”, diz Colin ao Paladar.
Letícia Colin: a chef e estrela de ‘A Porta ao Lado’
Além das boas ideias do roteiro e da direção precisa de Rezende, A Porta ao Lado também tem um destaque absoluto: Letícia Colin. Todos estão bem, mas nenhum está tão brilhante quanto Colin. A atriz, que está no ápice de sua carreira, consegue transitar entre diferentes estados de espírito com facilidade: indo da passividade ao desejo, da tristeza ao estado mais eufórico possível. Tudo isso sempre passando verdade em seus gestos e ações.
E o mais interessante: ela convence como chef de cozinha. Mas, ao Paladar, confidencia que não sabe se virar tão bem na cozinha quanto parece. “Eu sou uma negação na cozinha”, conta Letícia Colin. “Mas sou uma boa atriz e precisava dar um jeito de disfarçar. Não passava da aula da faca. Cortar é muito difícil. Nosso preparador, depois, me ensinou que não precisava cortar muito rápido e que podia cortar mais devagar, pensando. Adorei e fiz tudo muito devagarzinho. Essa é a coisa maravilhosa que minha profissão permite”.
‘A Porta ao Lado’ é um bom filme?
Em essência, o longa-metragem se parece com uma resposta ao tempo que passou entre Ponte Aérea, filme de Rezende de 2015, com o hoje. Enquanto o filme de oito anos atrás analisa a globalização e o distanciamento, A Porta ao Lado analisa a fluidez das relações, o desejo feminino, a relação com o corpo. O longa-metragem, assim, é uma análise de como as relações estão se transformando e, acima de tudo, como o desejo feminino é visto e tratado hoje em dia. Rezende, como sempre faz bem em seus filmes, quebra tabus.
A Porta ao Lado é uma boa surpresa, com boas atuações e boas histórias. O único problema está na forma que o roteiro se desenvolve. Apesar de despertar o interesse no início (quando nasce o conflito) e no final (quando ele se resolve), o segundo ato do longa é um tanto quanto cíclico, repetitivo. Pouca coisa é realmente desenvolvida, com os roteiristas sacando elementos aleatórios surgindo à esmo e outros se repetindo à toa.
No entanto, esse vazio do segundo ato, que passa quase em branco na memória de quem assiste ao filme, acaba sendo recompensado pela boa atuação, pela boa direção e pelas boas ideias, que acabam causando uma boa impressão final. A Porta ao Lado mostra como Júlia está sempre atenta ao mundo ao seu redor e como sabe falar sobre relacionamentos contemporâneos como poucos cineastas no Brasil. Fico curioso já para seu próximo filme.