A oferta de lámens cresce em São Paulo. Tigelas fumegantes de massa são avistadas para além do circuito tradicional da Liberdade. Pelo menos quatro casas que servem o prato-símbolo da comfort food japonesa abriram nos últimos meses e uma outra focada só em lámen abre mês que vem.
A moda do lámen, que varreu os Estados Unidos e o mundo, firma-se por aqui. Se ela tem a ver com a percepção de chefs e empresários de que lámen, quando bem-feito, é delicioso e popular, ela também foi impulsionada pela oferta recente de massa de qualidade feita em São Paulo.
Essa história começou pouco mais de um ano atrás. Certo dia, em um tradicional empório da Liberdade, Takayuki Iwawaki, o Taka, intrigado por que a onda do lámen não pegava no Brasil, quis saber por que ali não se vendia macarrão nacional. “Se quer um bom, compre importado.”
A resposta deu força à ideia que Taka já vinha gestando: se o bom lámen era importado e o dólar andava às alturas, o negócio era fazer o macarrão com equipamentos e insumos nacionais, a baixo custo, aumentando a oferta em lojas e restaurantes. Taka não é cozinheiro profissional, mas pode-se dizer um especialista em fios. Chegou ao Brasil aos 13 anos de idade e ainda adolescente foi trabalhar num salão de beleza. Sistemático e persistente, estudava geometria para mexer com a cabeça dos outros.
Foi com a mesma dedicação que, na cozinha, criou substitutos para as especialidades da terra natal que não encontrava nas prateleiras dos mercados a preços moderados. “Se não encontro algo, eu mesmo faço.” Assim, comprou uma máquina manual de macarrão italiano e se debruçou numa receita de lámen para consumo pessoal. Foi o primeiro passo para chegar à fórmula que hoje reproduz na fábrica que abriu na Mooca ao lado do sócio William Miyasato, que também não é cozinheiro – neto de japoneses, foi bancário e vendedor de alimentos, como macarrão para yakissoba. Em 2015, lançaram juntos a marca de lámen fresco Shinki.
O negócio cresceu rápido. Taka cortava o cabelo da confeiteira Saiko Izawa, sua amiga há 30 anos, quando soube que haveria lámen no cardápio da Casa do Porco. Logo fechou negócio com o dono da casa, Jefferson Rueda. Saiko falou sobre o lámen também para Thiago Bañares, que estava abrindo o Tan Tan Noodles Bar, em Pinheiros. Thiago voltava de uma viagem a Nova York para pesquisar bares de noodles e havia visitado a fábrica Sun Noodles, de onde trouxe a massa de lámen que achava perfeita. Deu uma amostra para Taka, que saiu testando até chegar ao resultado que queria. Hoje, a fábrica faz um tipo de lámen para o varejo, de espessura média, além de receitas exclusivas para alguns restaurantes.
O que determina a qualidade de um lámen é o equilíbrio entre os quatro ingredientes básicos: farinha de trigo, água, sal e kansui, composto alcalino de carbonato de sódio e carbonato de potássio, que dá elasticidade e realça a cor amarela e o sabor. Além de distribuir em dez mercados na Grande São Paulo (três na Liberdade, como a Casa Bueno, R. Galvão Bueno, 48), a fábrica vende para restaurantes como Sakagura A1 e Ban. Masanobu Haraguchi, do Ban, ainda usa massa importada em alguns preparos, mas para o lámen acha bom o resultado do Shinki.
Em Mogi das Cruzes, há um outro fornecedor nacional de lámen, a fábrica MN, aberta em 2009 e que trabalha com maquinário e insumos importados. Não vende no varejo – abastece apenas restaurantes e izakayas, como Hirá, Quito Quito, Matsu, Porque Sim e 2nd Floor.A MN faz quatro vezes a produção da Shinki – são 2.400 porções por dia, enquanto na Shinki são 600, com previsão de expansão. Algumas casas ainda fazem o próprio macarrão, como o Aska e o novo JoJo Ramen, que deve ser inaugurado em abril, no Paraíso (R. Dr. Rafael de Barros, 262). Ali, a produção da massa já começou, com cozinheiro japonês e insumos brasileiros.
O que vai dentro da tigela de lámen, além do próprio macarrão
Do mar. O lámen é escoltado por uma alga, que pode ser a nori ou a wakame. Ela vem inteira no canto ou picadinha por cima. A nori é a mais comum na receita – e também é aquela usada para fazer temakis e sushis.
Dos animais. Em geral, a carne é o lombo de porco, mas, de acordo com a receita, podem ser frutos do mar (como no tyampon lámen). Dois outros itens de origem animal que volta e meia aparecem na tigela é o ovo cozido e o kamaboko (ou naruto) – massa de peixe prensada.
Da terra. Cenoura, vagem, cebolinha, broto de feijão, repolho, broto de bambu, acelga, berinjela, cogumelo, gergelim, nirá, milho – há um extenso mundo vegetal do que se pode colocar no lámen.
O caldo. Perfumado, ele é a alma do lámen. Sua base é o cozimento por horas de ossos e carnes (em geral, frango e/ou porco) junto com legumes. O tempero varia conforme a receita. Na panela, a fervura – ou não – dos ingredientes vai determinar o tipo de caldo-base, se transparente ou turvo. Sem ferver, ele fica transparente. Fervido, fica turvo. No Tan Tan, por exemplo, o caldo-base é o kotteri, feito com frango e 12 horas de fervura, denso e viscoso. Depois da panela, o caldo-base é temperado com shoyu (molho de soja), missô (pasta de soja) ou shiô (sal), depois servido na tigela frio ou quente. O lámen hiyashi-tyuka, por exemplo, leva caldo frio.
Pequeno dicionário de massas japonesas
Lámen. Japoneses e americanos dizem rámen, chineses dizem lámen – o que importa é que a massa leva farinha de trigo branca, sal, água e sais alcalinos, que dão cor amarelada, elasticidade e sabor umami. O formato lembra o linguine.
Sobá. No lugar de farinha de trigo branca, leva farinha de trigo-sarraceno, de tom castanho, que confere ao macarrão uma cor mais escura que a do lámen. A espessura em geral é a mesma do lámen.
Udon. Leva farinha de trigo branca, mas a massa tem espessura mais grossa que a do lámen. Gordinha, parece um canudo. Como é mais pesada que outros macarrões orientais, vai bem com um caldo leve.
Somen. É feito com farinha de trigo branca, mas apresenta espessura mais fina que a do lámen. Delicado, mais leve que um espaguete, aguenta receitas com caldos densos, que aderem bem ao macarrão.