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Comida

A pesca milenar de atum de almadraba, na Espanha

A temporada do pescado, que está terminando, é celebrada com festivais nos povoados da região

A almadraba é uma armação de redes verticais, dispostas em labirinto, por onde os peixes são conduzidos até o abate. Foto: Julio González|Turismo de CádizFoto: Julio González|Turismo de Cádiz

De Andaluzia 

Está terminando a temporada de pesca de atum na costa espanhola da Andaluzia – que vai de abril a junho. A estação é celebrada com vários eventos na região, o mais saboroso é a Ruta del Atún, festival de tapas e pratos em que o peixe é servido em diferentes preparações, das tradicionais às ousadas e autorais. Dá para passar o dia de mesa em mesa na minúscula e graciosa Conil de la Frontera, um dos pueblos blancos da Andaluzia, com 22 mil habitantes. Por ali é obrigatório provar a mojama, o lombo de atum curado no sal – especialidade local valorizadíssima (o sabor lembra o de ovas curadas), chega a custar 100 euros o quilo. Em Barbate, Zahara de los Atunes e Tarifa, os três outros povoados com tradição milenar de pesca de atum, também há festivais nessa época, quando existe inclusive a possibilidade de ir de barco até o local da pesca, como fez o Paladar, na última semana de maio. 

A almadraba é uma armação de redes verticais, dispostas em labirinto, por onde os peixes são conduzidos até o abate Foto: Julio González|Turismo de Cádiz

A temporada é o melhor momento para provar o atún rojo selvagem do Atlântico (Thunnus thynnus), o mais valorizado do mundo, chamado bluefin em inglês. A diferença desta espécie, que raramente chega ao Brasil, é a capacidade de acumular gordura entremeada à carne, o que rende textura e sabor incomparáveis aos peixes, que são capturados com peso médio de 180 kg por ali. O quilo da barriga, a ventresca (toro em japonês), custa em média 45 euros.

Atualmente, 70% do atún rojo pescado na região vai para o Japão, destinado ao preparo de sushis e sashimis, o restante fica na Espanha. Até uma década atrás, a porcentagem era de 90%, porque os espanhóis não tinham tradição de comer atum fresco, apenas salgado ou em conserva – a salga do atum é tradição iniciada ali pelos romanos por volta de 212 a.C. e a economia local dependeu da pesca e da indústria de salga por séculos; hoje são apenas sete fábricas, mas só duas processam atum selvagem – Gadira e Petaca Chico – com a produção controlada por cotas.

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Localizada no Estreito de Gibraltar, esta costa é rota de passagem de atuns que, durante a primavera, saem do Atlântico para se reproduzir nas águas do Mediterrâneo, mais quentes. Entre agosto e setembro, nadam por ali de volta para o Atlântico. Passam sempre perto da costa, para fugir das orcas. E é isso o que estimula a pesca com rede no local há pelo menos três milênios, num sistema chamado de almadraba (a palavra, em árabe, significa o lugar onde se golpeia). 

A almadraba é uma armação de redes verticais, dispostas em labirinto, por onde os peixes são conduzidos até o abate. O sistema é simples: o atum dá de cara com a rede, desvia e vê outra rede, desvia, e vai seguindo até o local onde é abatido – por tiro de ar comprimido. 

Este método é muito semelhante ao criado pelos fenícios e aprimorado pelos árabes, ele teve três modificações ao longo da história até chegar ao atual. Só ficam presos da rede os atuns com mais de 80 kg, os pequenos escapam. A pesca de almadraba é sustentável, controlada por cotas pela Comissão Internacional de Conservação de Atum do Atlântico. Diante da ameaça de extinção da espécie (por conta de pesca massiva com outros métodos), a comissão estabeleceu um plano de recuperação, em 2006, que entre outras medidas proíbe a pesca de atuns com menos de 80 kg e 115 cm. 

+ VEJA MAISVeja como funciona a almadraba

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Ao todo, restam só quatro almadrabas na Espanha, todas no Estreito de Gibraltar. Neste ano, foi autorizada ali a captura total de 1.097 toneladas de atún rojo – pescadores dizem que às vezes em apenas uma semana de pesca atingem a cota e encerram a captura.

É menos da metade do consumo anual de bluefin do Japão, que é de 2,8 mil toneladas, segundo o último relatório da FAO. O consumo total de atum no Japão por ano é de 159 mil toneladas.

TODOS OS CORTES DE ATUM

Quando se trata de atum, quanto mais gordo melhor. E é exatamente a proporção de gordura que torna o atum rojo del Atlântico, o bluefin, tão desejado, especialmente para ser consumido fresco e cru, em sushis e sashimis. Não por acaso, o Japão consome 80% de todo o bluefin pescado a cada ano no mundo, incluindo os próprios mares. O peixe ali é vendido em leilões e os recordes de preços são constantemente batidos. No início deste ano, um atum de 212 quilos alcançou 74,2 milhões de ienes (equivalente a R$ 2,2 milhões).

Inventivo. Tartare de atum com algas e molho japonê Foto: Patricia Ferraz|Estadão

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Na boca, a gordura do bluefin traz sabor e uma maciez incrível – a barriga, a parte mais gorda chega a ser quase cremosa, uma textura inigualável, que se completa com o sabor delicadíssimo. Mesmo outras partes menos gordurosas não se comparam em sabor e textura com as de atuns de outras espécies, como o yellowfin, mais comum.

Na temporada de pesca, a costa de Cádiz vira palco de experimentação de cozinhas – não há bar de tapa ou restaurante nos povoados locais, especialmente os pesqueiros Barbate, Zahara de los Atunes, Tarifa e Conil de la Frontera, mas também em Cádiz e Jerez de la Frontera, que não lance pelo menos um prato de atum novo na estação. E como o produto é maravilhoso e a pesca sustentável, chefs importantes da Espanha e de outros países, inclusive os sensíveis às causas ambientais, como o americano Dan Barber, já foram lá para ver e provar. É uma festa para o paladar, contemplado por pratos com diferentes cortes, frescos e salgados ou curados, e pratos que vão de presunto de toro (servido com pinoles tostados) a hambúrguer, incluindo tartares, escabeches e pedaços cozidos servidos com molhos. 

AS PARTES MAIS VALORIZADAS DO ATUM 

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*VIAGEM A CONVITE DA EMBAIXADA DA ESPANHA

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