Em 8 de fevereiro de 1919, quando o Farman F.60 Goliath decolou de Paris a Londres, seus 11 passageiros receberam uma tacinha de champanhe. Para brindar e, como se acreditava, para aplacar o enjoo em voos turbulentos como era aquele. Nasceu ali, uma tradição das aéreas.
Os menus, por sua vez, surgiram quase 10 anos mais tarde, em 1928, na mesma rota, servidos pela Air Union. Outro costume que pegou no mundo da aviação. De maneira que desde o primeiro voo, em 7 de outubro de 1933, quando partiu de Paris a Londres em 65 minutos, a Air France (uma fusão da Air Orient, Air Union, Société Générale de Transports Aériens, Compagnie Internationale de Navigation Aérienne et Aéropostale) já tinha essas duas incumbências em mente.
Contudo, embora a concorrência se gabasse de lagosta no cardápio, a companhia não embarcou na ideia: “Dada a turbulência e o constante rolamento da aeronave, poucos passageiros estavam dispostos a comer. A maior parte do meu trabalho consistia em coletar sacos de vômito”, testemunhou Pierre Can, barman (ainda não existia comissário de bordo!) do Dewoitine 338, em 1938.
Os primeiros menus de êxito só vieram em 1946. Na altura, aeromoças sorridentes serviam orgulhosas receitas pomposas, como pato com laranja, e eram instruídas a jamais iniciarem os procedimentos de descida até que todos os passageiros da primeira classe tivessem terminado a refeição. Tanto assim que não chocava ninguém que a aeronave Super Constellation ostentasse caviar, esculturas, louças sofisticadas, talheres de prata e vinhos safrados de Bordeaux.
Mais tarde, lá pelos anos 1970, com o aumento do tamanho e das frotas de aviões, novos conceitos surgiram. Um deles, o “small is beautiful”, aproximou chefs da Nouvelle Cuisine, do calibre de Paul Bocuse e Pierre Troisgros, à gastronomia da empresa.
Já na década de 1980, prestes a completar 50 anos, a Air France tinha um chef exclusivo, Michel Martin, que apostava em refeições leves, incluindo salada com trufas em louças do designer Raymond Loewy harmonizadas com champanhe da icônica Maison Louis Roederer. “A presença de uma faca cortante de trinta centímetros de comprimento não assustava ninguém, exceto o carré de cordeiro e o filé de carne”, lembra Thierry Marion, comissário da première.
Claro, na classe econômica, as coisas não eram bem assim... Bandejas e acessórios descartáveis foram tornando-se imperativos, até pelo volume de passageiros. Só em 1990, por exemplo, quatro milhões de refeições foram distribuídas – mais que dez vezes mais que em 1950. Imaginem hoje, com mil voos diários para 200 destinos ao redor do globo...
Quiçá por questão de sobrevivência, a companhia desviou o foco da cuisine para o entretenimento. Que tal escolher entre menu kosher, halal ou vegetariano? E se hoje tivermos um prato indiano? E opções para diabéticos? Uma tendência que segue firme e forte.
Para sorte de quem viaja de classe executiva para cima, nem só a distração tem peso. Atualmente, viajantes que partem de Paris têm à disposição pratos com ingredientes locais assinados por Emmanuel Renaut (do triplamente estrelado Flocons de Sel, em Megève) e Anne-Sophie Pic (a chef mais estrelada do mundo). O risoto com legumes, cogumelos selvagens e queijo Beaufort é um carinho de Renaut; o frango ao molho com saquê, de Madame Pic.