Quando ela começou a se isolar no seu apartamento em College Station, no Texas, em março, Melissa Hodges achou que seria a grande oportunidade para ela aprender finalmente a cozinhar. Afinal, muitas de suas colegas de classe na Texas A&M University, onde cursa o último ano, postavam no Instagram fotos de suculentos espaguete à carbonara e bolos decorados com glacê meloso.
Então, tentou assar uma pizza de queijo congelada.
“Eu a coloquei no forno a uma temperatura qualquer porque nem me preocupei em ler as instruções”, contou Melissa, de 22 anos, mas não colocou a pizza sobre uma travessa. “Cerca de 20 minutos mais tarde, ela caiu através das frestas do forno. O resultado era uma coisa pastosa e queimada. “Sentei no chão e comecei a chorar”.
Depois do desastre – e outro com macarrão duro que quebrava quando o mordia – ela se resignou com jantares de cereais do café da manhã e outras comidas que não exigem qualquer conhecimento.
“A cozinha continua lá e fica olhando para mm”, ela disse.
Cozinhar, uma das tarefas mais básicas da vida, de repente se tornou uma saída criativa e fonte de conforto para toda a legião de pessoas reclusas em casa. Nas redes sociais, parece até que todo mundo está passando mais tempo na cozinha, seja para assar bolo de banana ou preparar fermento natural com um nome ousado como Jane Dough.
A audiência dos sites de culinária explodiu. As celebridades estão divulgando suas façanhas culinárias. Como o site Grub Street observou recentemente: “Na quarentena, ao que tudo indica, todo mundo se torna um blog de cozinha”.
Entretanto, apesar de todos os cozinheiros caseiros que estão adotando esta arte como fuga terapêutica ou uma forma de entretenimento, há muitos outros que não se abalam minimamente ou que ficam confusos à visão de um fogão.
Não é novidade que inúmeras pessoas não cozinham, ou não gostam de fazê-lo. Mas levada pela necessidade ou inspirada pela nova popularidade da cozinha, Melissa e outros como ela resolveram tentar para ver como se saíam, muitas vezes com resultados desalentadores: cozinhas cheias de fumaça, panelas pretejadas, explosões de café.
Mesmo quando dá tudo certo, a satisfação não é garantida. A pandemia colocou os cozinheiros passivos diante dos apaixonados pela cozinha, e alguns se sentem cada vez mais incomodados pelo renascimento culinário ao seu redor.
“Eu me sinto um pouco enganada”, disse Kim Baldwin, que trabalha na Parnassus Books em Nashville, Tennessee. “Como se eu conhecesse todas estas pessoas normais que tinham esta habilidade latente de fazer pão de que nunca se falara”.
Kim, de 43 anos, tem uma cozinha cheia de eletrodomésticos que nunca foram usados que ela e o marido, John, ganharam como presentes de casamento, há 12 anos. Nenhum dos dois jamais considerou cozinhar algo relaxante.
Desde que seu trabalho diminuiu, ela andou folheando seus livros de cozinha (outros presentes de casamento). Fez lentilhas ao curry e legumes que encontrou na despensa, mas mais tarde se deu conta de que elas tinham cerca de oito anos. “Eram borrachentas e tinham um gosto estranho”, ela disse. Tentou fazer peito de frango na grelha, em uma panela de cozimento lento e despejou um vidro de molho para churrasco em cima dele. “Ficou horrível”, contou, “como sopa de churrasco de galinha”. Seu marido tem preparado um monte de macarrão instantâneo.
Sua única vitória foi uma torta de limão, na qual teve de substituir quase todos os ingredientes da receita porque não encontrou as coisas de que precisava no mercado. “Fiquei muito surpresa por conseguir que desse certo; a torta ficou deliciosa”, contou. foi “minha única experiência feliz na cozinha até o momento”.
No entanto, alguns cozinheiros novatos encontram prazer e até mesmo orgulho em seus desastres.
“O engraçado para mim é fazer a crônica dos meus fracassos”, no Twitter, disse Kyler Callahan, engenheiro de computação em Seattle. “Muitos dos meus amigos cozinham, pensei: “Olá, pessoal, enquanto vocês olham para estas coisas engraçadas, vejam uma comida passável que eu fiz.
A estratégia de Lauren O’Connor é “ficar um tanto alegre, cozinhar o máximo de comida possível e enfiá-la no freezer,” ela disse. “A maior parte destas coisas pode ser salva com uma lata de tomates, um pouco de alho e chili. Se não parecer alguma coisa que eu escavo do jardim, fico feliz”.
Lauren, de 32 anos, paleoclimatologista de Tucson, Arizona, sobrevive à base de porções de arroz e feijão congelados acompanhadas por uma torrada comoVegemite, uma pasta de extrato de levedura com a qual ela se alimentou até a idade adulta na Austrália.
Ela não é a única que passa o tempo em casa procurando voltar às suas raízes culinárias. Richard David tentou recentemente recriar o curry da família na Guiana em seu apartamento de Queens, em Nova York.
O prato já levava algum tempo, então tomou um pouco de vinho e adormeceu no sofá com a panela no fogo. Acordou com o apartamento cheio de fumaça e curry preto como piche.
Um lado positivo foi constatar: “Eu me dei conta de que os meus detectores de fumaça não funcionam”, contou David, de 34 anos. A falta de entusiasmo pela culinária pode se tornar ainda mais difícil de aguentar quando há crianças. “Não quero alimentar meu filho com peito de frango e pizza congelada”, disse Miranda Richardson, administradora do departamento de polícia de Laurel, Maryland. Mas o que ela faz talvez não agrade a ele. “As crianças falam a verdade quando não gostam da comida”.
Ela observou que na realidade é uma boa cozinheira – recentemente fez um bolo de baunilha,já que tantos outros estão cozinhando – mas ainda não gosta de fazer isto. “Ficar naquela cozinha não me faz feliz”, comentou. Em Bethesda, Maryland, Kathryn Spindel mora com a filha adulta, Pippa, de 22 anos, que voltou para casa em março. Não fosse pela comida do marido, Kathryn disse que poderia repetir no jantar as maçãs cortadas com queijo que dera à filha quando ele estava fora da cidade.
Algumas das cozinheiras novatas estão fazendo um grande progresso. Sudarshan Muralishar, de 25 anos, engenheira de software de Seattle, disse que aprendeu que só se põe o macarrão na panela quando a água ferve, e que não se pode usar o mesmo tipo de óleo para todos os tipos de pratos.
Numan Ahmed, de 26 anos, que trabalha na área de merchandising em Montreal, finalmente comprou uma batedeira depois que a massa do pão de hambúrguer que ela fazia em casa espirrou da panela que usava para testes. (Ele quebrara o cabo de plástico da panela para usá-la no forno.)
Em março, Eric Phillips tuitou de brincadeira que iria colocar sua coleção de especiarias para preparar cinco temperos em ordem alfabética (inclusive o sal), e recebeu mais de 4 mil respostas, muitas delas irônicas. (“Como você consegue suportar isso?” “Você sabe o que é cominho?”)
Agora, ele usa as redes sociais para aprender a cozinhar, olhando os vídeos e perguntando o que fazer com os ingredientes. Ele disse que se aperfeiçoou no preparo de ovos fritos, mas seu sonho mais ambicioso é fazer polvo grelhado em seu apartamento em West Village. Sem uma receita “ficou parecido com borracha e duro”. Phillips, de 39 anos, que trabalha para uma empresa de gestão de crises, disse que não se ressente com as pessoas que encontram conforto na cozinha. Nem sempre consegue entendê-las.
Outros se sentem mais revoltados. “Não aguento mais olhar para o fermento”, disse Nicole Najafi, escritora que se isolou com o namorado na casa dos pais dele em South Dartmouth, Massachusetts. “A esta altura, se você faz o pão, não precisa postar isto. Nós vimos o pão. Somos muito bons”