Da Cidade do México
A torcida barulhenta que a alagoana Giovanna Grossi trouxe do Brasil para a Cidade do México - com vuvuzelas e camisetas verdes e amarelas - ficou minutos em silêncio antes do anúncio dos vencedores da etapa latino-americana do concurso Bocuse D’Or.
Pai, mãe, primos, tias, tio que veio da Alemanha - todo mundo tenso. Anunciado o terceiro colocado, da Guatemala. O segundo vai para uma uruguaia. E o primo de Giovanna confidencia, brincando em tom de prêmio de consolação: “Ah, tudo bem, a gente fica com o primeiro lugar, fazer o quê”.
A piada - que parecia feita para consolá-lo de uma possível derrota - logo deu lugar a uma gritaria ensurdecedora depois que a plateia ouviu da boca do peruano Gastón Acurio, presidente do júri: “Em primeiro, com um charmoso trabalho, Brasil”.
Até o discreto Laurent Suaudeau - francês radicado há 30 anos no Brasil e que foi o presidente da delegação brasileira - pulou de felicidade. Foi na escola de Laurent que Giovanna, 24 anos, treinou nos últimos meses para se preparar para o concurso, ao lado de seu cumim Nicholas Santos, 21 anos, e do treinador Victor Vasconcellos, que já trabalhou com Laurent.
Em outubro, Giovanna venceu a etapa brasileira e ganhou a chance de disputar a latino-americana - ela foi a primeira mulher a vencer o Bocuse D'Or Brasil. Agora, sai do México com 8.000 euros; Jessika Toni, a uruguaia que ficou em segundo lugar, com 5.000, e Marcos Saenz Gonzalez, o guatemalco que ganhou a terceira vaga, 3.000. Os três irão para a final em Lyon, na França, em janeiro de 2017, quando 24 países disputarão o pódio no ano em que o campeonato completa três décadas.
O concurso. Criado em 1987 por Paul Bocuse, que completou 90 anos nesta quinta-feira, 11, e é o único chef a deter três estrelas Michelin por 50 anos ininterruptos, o Bocuse D’Or é considerado a Copa do Mundo da gastronomia, sempre realizado dentro da feira de negócios Sirha, organizada pela multinacional francesa GL Events.
Até hoje, nenhum país das Américas chegou a qualquer colocação do pódio, sempre dominado por europeus (dois países asiáticos já ficaram em segundo e terceiro lugar). A França é a recordista do topo do pódio, sete vezes campeã, seguida da Noruega, pentacampeã. O Brasil, que já foi à final, em Lyon, nove vezes, teve como melhor colocação a 10ª posição, em 1997.
Unidade latino-americana. Para o peruano Gastón Acurio, que presidiu o júri do Bocuse D’Or e conversou com a reportagem antes de conhecer o resultado final, mais importante que o primeiro, o segundo ou o terceiro lugar é a união da América Latina. “Como presidente, a primeira coisa que disse aos jurados é: 'Vocês têm que colocar seu coraçãozinho de lado, porque aqui estamos levando a América Latina ao mundial. E o objetivo é que alguém daqui ganhe lá. Porque, se ganha a América Latina, ganham todos os países.”
Além de Gastón, o mexicano Enrique Olvera também provou todos os pratos como presidente do concurso. Nas mesas ao lado, cinco jurados avaliaram os pratos de carne e cinco os de peixe. Como eram 10 países concorrentes, os 10 jurados eram justamente os presidentes das delegações, como Laurent Suaudeau - mas a nota deles não contava na soma final do seu país.
Segundo as regras do Bocuse D’Or, cada concorrente tem 5 horas para apresentar seu prato de peixe (aqui foi tilápia) e cinco horas e trinta e cinco minutos para o prato de carne (filé-mignon) - cinco competidores se apresentaram na quinta-feira e cinco na sexta, 12. No prato de peixe, era obrigatório ter acompanhamentos com ingredientes típicos de seu país.
Giovanna preparou a tilápia a vácuo, apresentada sobre acelga fermentada e acompanhada de totem de mandioquinha e farinha de uarini, tufu (um tipo de empanado) de banana-da-terra com mandioca e papoula, além de tartar de camarão com aspic de jambu por cima e molho de quinhapira (caldo de peixe) com tucupi.
“Nós não estudamos os concorrentes para nos apresentar. Decidimos fazer o nosso melhor”, disse ela, que já trabalhou em restaurantes estrelados na Europa, como o Quique DaCosta.
Confeitaria. Na quarta-feira, 10, primeiro dia da feira Sirha, teve lugar o concurso de confeitaria com seis países concorrentes e o Brasil também se classificou para ir a Lyon em 2017.
A equipe, formada por Marcone Calazans e Abner Ivan, assistidos pelo treinador Ramiro Bertassin, apresentou, assim como os concorrentes, uma sobremesa de chocolate, uma torta de sorvete com frutas, uma escultura de açúcar e uma escultura de chocolate.
O primeiro lugar ficou com a Argentina (2.100 euros), o segundo com o México (1.400 euros) e o terceiro com o Chile (700 euros). O Brasil ganhou o direito de ir para a França por meio de um prêmio especial - previsto no regulamento - dado pelo francês Gabriel Paillasson, espécie de Paul Bocuse da confeitaria, que julgou que o país merecia a vaga.
Na França, a melhor colocação que o Brasil alcançou foi 14º lugar, em 2011, com Ramiro, que já competiu lá três vezes - em 2011, a equipe dele ainda era composta por Rafael Barros e Renata Arassiro.
* A repórter viajou a convite da GL Events