Especial para o Estado
Missô de arroz mofado, manteiga rançosa, tartar de restos de sardinha, morango com bolor de camembert. Essas são algumas das experiências de êxito de Johnny Drain, um cientista inglês maluco, químico formado e PhD em Ciências Materiais (uma combinação bombástica de química, física e engenharia) pela Universidade de Oxford.
Ele se dedica a ensinar cozinheiros profissionais a fermentar e maturar ingredientes que normalmente não passam por esses processos e diz que, com isso, reduz o desperdício e faz as pessoas comerem melhor. Qual é a ideia por trás de uma manteiga rançosa?
“Há queijos envelhecidos e caros como parmesão e cheddar, mas quando você pensa em manteiga envelhecida, ela é chamada de rançosa. Por que dois comportamentos tão distintos?”, quis saber o cientista antes de começar a pensar a fundo no assunto.
Olhando os componentes da manteiga velha, procurou uma maneira de entender o que levaria alguém a pagar £ 20 (mais de R$ 100) por um quilo dela, assim como paga pelos queijos maturados.
Foi então que teve a ideia de oxidar a manteiga de leite de vaca com luz e oxigênio. Obteve uma manteiga com notas amendoadas e picantes de queijo azul, sem injetar fungos. A bem dizer, tramou uma forma de preservar o laticínio não fresco.
E foi essa a ideia que estimulou um convite da chef e apresentadora de TV argentina Narda Lepes a convidá-lo para um festival em Buenos Aires. Na audiência de sua palestra, interessadíssimo, estava Mauro Colagreco, do Mirazur, o restaurante número um do mundo pelo ranking 2019 do 50 Best. “Não sabia ainda quem era o chef, mas ele me convenceu a ir à Côte d’Azur”, conta o químico.
Ali, desenvolveu uma manteiga a partir de cabras criadas no alto de uma montanha ensolarada. Aqueceu o leite não pasteurizado até 50°C, fez creme de leite, separou a gordura da água. Alguns dias depois, tinha em mãos uma apetitosa manteiga de cabra.
As aventuras na cozinha de Johnny Drain começaram cedo, aos 8 ou 9 anos, graças à falta de aptidão materna. E à fome, claro. Chegou a pensar em cursar gastronomia, mas acabou fazendo a faculdade de química.
Durante a graduação, descobriu Ferran Adrià, Heston Blumenthal e a ciência por trás do que comemos: “Vi que podia usar minhas habilidades na cozinha para fazer as pessoas entenderem mais sobre sabores e ajudá-las a fazer comidas deliciosas”, diz.
Mandou um projeto para o Noma Lab, em Copenhague, na época o restaurante número 1 do mundo, e para sua surpresa, o chef René Redzépi comprou a ideia de sua manteiga envelhecida.
Desde então vem acumulando proezas, entre elas um missô à base de fungos pretos de arroz japonês (“parecem aqueles de banheiro, sabe? Chamam-se koji”) que ele usa para marinar carne de porco; caramelo de pão amanhecido (e devidamente embolorado!) ingrediente de muita valia para a confeitaria; snacks (nem tão bem sucedidos) de morango envolto em mofo de camembert.
Também trabalhou ara que o restaurante britânico Silo recebesse o título de primeiro restaurante zero desperdício do mundo. Já na Suíça, testou 30 tipos de água e 220 receitas até desenvolver o noodle perfeito para uma casa de lámen (afinal, importar a massa do Japão não é uma atitude sustentável!).
“Na cozinha, como não sou chef, questiono: por que tem que ser assim? Sistematizando conhecimento, dou as ferramentas para os cozinheiros entenderem como a comida funciona, como tornar qualquer coisa gostosa e como ter um lugar de desperdício zero, porque nada vai precisar ir para o lixo”, explica o mestre dos micróbios. Ou gênio da manteiga, como foi rotulado pelos amigos.
Atualmente, além de editar a Mold (uma revista bianual sobre o futuro dos alimentos), provoca colegas com a prova de restos fermentados de alimentos no porão do restaurante londrino Cub.