As raízes de um povo são pilares para manter vivos hábitos e costumes com o passar dos anos. Entretanto, o que poucas pessoas entendem é que a comida tem grande poder para manter uma ligação com a ancestralidade, servindo como criadora de símbolos e um dos pilares que sustentam a cultura.
A diáspora africana nada tem a ver com a dispersão voluntária de um povo. Ela carrega em si, muitas vezes, a ideia de que as populações escravizadas que aqui chegaram construíram seus hábitos alimentares de forma branda.
"Os povos africanos executavam trabalhos forçados a contragosto. Eles não construíram uma forma de se alimentar de bom grado, foi por necessidade", explica Aline Chermoula, cozinheira e pesquisadora da culinária afrodiaspórica pelas Américas.
Os hábitos destes povos manifestam-se há séculos por meio da culinária. A cozinha afrodiaspórica, de acordo com a pesquisadora, é uma maneira de manter a raíz africana viva nos descendentes dos primeiros povos africanos que chegaram aqui, ou em qualquer outro país.
A culinária afrodiaspórica não é a comida "típica" dos países africanos, e sim um resgate de raízes por meio daquilo que é tradicional no continente.
"Falar de diáspora é um conceito novo. Muitas vezes as pessoas confundem a comida afrodiaspórica com a comida africana. Essa comida tem influências africanas pelo modo de fazer, pelo modo de servir, utilizando técnicas e ingredientes provenientes do continente africano mas são pratos que as pessoas costumam conhecer e possuem mais simpatia, como brigadeiro, por exemplo", explica ela, que poucos dias antes da conversa com Paladar preparou uma esfiha com recheio de bobotie, típico prato sul-africano.
Apesar de não haver um consenso sobre a maneira como entes ingredientes chegaram às Américas, alguns caminhos da colonização são a aposta de muitos estudiosos.
"Mesmo que haja um hiato na história sobre como estes insumos chegaram, especula-se que havia um interesse do colonizador nestes alimentos pela subsistência dos povos escravizados mas também pelo comércio e lucro que eles poderiam fornecer", afirma Aline.
Com isso, a cozinha da diáspora transcende para além do saciar-se fisicamente, e busca pela conexão com a raíz africana para fortalecer o espírito de quem teve que se deslocar das suas terras de maneira forçada e sem uma data para retorno.
Pela alimentação, as nações passam a diante seu modo de vida, e ela está relacionada às condições do entorno, como as consições geográficas que ajudam a prover ingredientes, economia e até mesmo com as crenças.
"Eu olho para o continente africano e quero ressignificar a alimentação das Américas por meio da minha ancestralidade, isso ajuda o povo negro a se fortalecer e lembrar de onde ele veio. Ela ajuda a lidar com a estrutura racialista de outras formas", afirma Aline.
Alguns dos principais sabores africanos conhecidos nas Américas atualmente são a banana da terra, pimenta malagueta, dendê, feijões, camarões e especiarias. Outros pratos muito conhecidos em solo brasileiro, como acarajé, caruru e até mesmo o mungunzá também remontam às origens africanas.
Apesar de alguns pratos serem conhecidos, Aline acredita que muitos pratos emblemáticos da cozinha afrodiaspórica ainda precisam ser revelados por quem se dedica à pesquisa sobre o tema.
“Quando eu sei de onde eu venho, posso projetar melhor para onde eu vou. E a comida afrodiaspórica faz isso”, conclui ela.