Por Jennifer SteinhauerThe New York Times
HISTÓRIA EM LINHAS TORTAS
A história da torta não se resume aos EUA, mas, de muitos modos, ela é especialmente americana. “Os primeiros colonos queriam ter o máximo de calorias possíveis no prato”, diz o historiador de comida e escritor Andrew F. Smith. “E a vantagem de uma torta sobre a carne assada é que ela economiza em tudo.” A massa era um problema para os pioneiros, pois não havia nenhum dos cereais do Velho Mundo. Porém uma fôrma e um pouco de farinha de milho resolviam a questão.
Outro motivo que contribuiu para a popularidade das tortas é que até a metade do século 19 a maioria dos americanos não tinha garfo. A possibilidade de comer as fatias com as mãos era, portanto, muito bem-vinda.
As tortas de frutas logo entraram no cardápio, adoçadas com maple syrup ou melaço, mais baratos, já que o açúcar era muito caro nos EUA até meados do século 19. Foram ganhando popularidade e hoje os americanos preferem as tortas doces às salgadas. Sem dúvida.
Até hoje as tortas de maçã e de abóbora são as mais populares nos Estados Unidos. A torta de maçã, cujos segredos chegaram na bagagem com as mudas da fruta trazidas do Velho Mundo, foi se multiplicando em receitas. E a de abóbora, um clássico da mesa do Dia de Ação de Graças, deu, finalmente, utilidade ao fruto, como costumam dizer os americanos. A receita, registrada pela primeira vez na Inglaterra no século 19, mudou pouco até hoje.
A tradicional torta de maça americana. FOTO: Peter Dasilva/NYT
Dizer que o mundo se divide entre fãs de torta e de bolo é exagero. O que é fato é que os amantes do bolo são seduzidos pelas aparências, enquanto os de torta são atraídos pela personalidade… O bolo é um grande metido. Vive chamando a atenção, usa maquiagem – adornos decorativos, palavras escritas em glacê, arabescos.
A torta é humilde, meio carente. Mostra ao mundo sua cara aconchegante, com frutas escorrendo do centro e bordas queimadinhas. A torta é profundamente evocativa. “Você olha para um bolo quase como uma obra de arquitetura. Já as tortas provocam uma reação emocional”, diz Ken Haedrich, autor do livro Pie (Harvard Common Press) e diretor da Academia de Tortas, uma escola online que ensina a fazer tortasthepieacademy.com).
Mas, ao mesmo tempo, as tortas costumam assustar, porque prepará-las exige habilidade e arte. Por causa disso, até o século 19, as americanas exibiam suas habilidades culinárias fazendo tortas. De lá para cá, alimentos processados e fogões a gás simplificaram o processo, mas a receita ainda amedronta muita gente, porque é fácil errar. Além disso, diversos pontos têm de ser levados em consideração conforme a receita.
De certa forma, a torta sofre de um problema de definição – embora, em geral, deva ser assada e ter uma casca pelo menos no fundo (ou no fundo e topo). Tarts são vistas como um tipo de torta, mas a verdade é que elas não são doces o suficiente. Crumbles, slimps, buckles, crisps? Não passam de derivados…
A ENGENHARIA DA TORTA PERFEITA
ACABAMENTO Para deixar a crosta dourada e com sabor tostadinho, asse a torta em fogo alto: ajuste o forno para pelo menos 200°C. A reação de Maillard (que dá a cor amarronzada e sabor tostado pela interação entre proteínas e carboidratos) é mais rápida em altas temperaturas. Antes de assar, pincele a torta com gema e creme de leite.
PROPORÇÃO Para uma massa perfeitamente dourada e um recheio bem assado, a proporção entre área e volume é essencial. Uma torta muito alta doura antes que o recheio esteja no ponto, enquanto uma muito fina assa rápido demais. O tamanho das fôrmas próprias para tortas dá um ótimo meio-termo.
VENTILAÇÃO Enquanto assa, a torta perde um terço do peso, por causa da água que evapora. Se todo esse vapor ficar preso no interior, a torta vai inchar e deformar, deixando o recheio escorrer. Para liberá-lo é preciso fazer pequenos cortes na superfície.
LIGA DA MASSA A massa ganha estrutura quando a farinha e a água se encontram, o que forma uma rede de proteínas do glúten. Mas em excesso, o glúten deixa a massa dura. Um bom truque para evitar que endureça é substituir parte da água por vinagre, rum ou vodca. Cerveja e água com gás também deixam a massa mais leve. Mas cuidado: se trocar toda a água por uma bebida alcoólica, vai dar para sentir o gosto.
AREJAMENTO A manteiga, que basicamente consiste em minúsculas gotas d’água dispersas em uma matriz de gordura, é essencial para a formação dos flocos da massa. Acontece que, com o calor do forno, a água evapora, o vapor gruda na massa e forma bolhas de ar – e é isso o que lhe dá leveza e a deixa mais aerada. No caso das tortas, manteigas com mais água e menos gordura funcionam melhor.
ALICERCE A temperatura é essencial na hora de servir a torta. Quando ela acaba de sair do forno, o recheio fica mais líquido (moléculas fluem mais rapidamente em temperaturas altas). Por isso, espere esfriar para que as fibras da fruta fiquem mais sólidas. Assim a fatia vai manter sua forma quando cortada e servida no prato.
GEOMETRIA Ao serem assadas, as maçãs perdem volume e ficam mais macias, mas isso pode criar espaços grandes entre superfície e recheio. Para dar estrutura, corte as maçãs em fatias finas, na horizontal, e arrume-as firmemente na massa.
IMPERMEABILIZAÇÃO Parte da água que evapora com o calor do forno penetra no recheio, o que pode deixá-lo muito líquido e umedecer a massa. A solução é misturar um pouco de farinha ou amido de milho ao recheio, para engrossá-lo e impedir que escorra no prato.
TEXTURA Melhore a textura da massa variando o tamanho dos pedaços de manteiga: do tamanho de amêndoas para formar maiores bolsas de ar; ou menores, do tamanho de ervilhas, para garantir que a gordura fique bem distribuída na massa.
Do forno. Torta de noz-pecã, com borda alta e farta cobertura. FOTO: Evan Sung/NYT
TORTAS DO MUNDO
Para ilustrar esta edição, o Paladar desafiou a confeiteira paulistana Marilia Zylbersztajn a preparar uma espécie de volta ao mundo em tortas de maçã, com as receitas populares em diferentes países. Veja mais aqui.
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