Quem não gosta de mousse de chocolate, bom sujeito não é. A tradicional sobremesa francesa alçou fama por aqui no início dos anos 1980, virou moda, chegou a perder status por um tempo, mas continua até hoje presente no cardápio de bistrôs e distintos restaurantes, servida em travessas, a grandes colheradas nos salões. Mas sua popularidade não tem nada com tendência ou fama, seu sabor e textura são o que fazem dela um clássico.
O mais puro e intenso gosto do chocolate transformado em delicada nuvem cremosa e aveludada (mousse, em francês, quer dizer espuma) tem por essência sua simplicidade, porém envolve muita técnica. Na saga desta repórter pela mousse de chocolate perfeita, descobri que é possível escrever uma dissertação de mestrado sobre a sobremesa. Foram algumas horas ao telefone com chefs e confeiteiros e longas tardes na cozinha testando diferentes técnicas. Foram mais de três quilos de chocolate (amargo, ao leite e branco), quase quatro dúzias de ovos e incontáveis barras de manteiga, combinados e colocados à prova. E, não, nenhuma lata de leite condensado foi aberta para esta reportagem.
De partida, vamos deixar uma coisa clara: “mousse é uma produção aerada, incorporada de bolhas de ar para dar uma textura leve e arejada, seja do que for, de chocolate, de frutas ou salgada”. Palavras da confeiteira Joyce Galvão, que é autora do livro A Química dos Bolos e do recém-lançado Ingredientes para uma Confeitaria Brasileira. Ela comanda o site Sobremesah, onde você, de fato, encontra um tratado técnico sobre o tema, assim como tantos outros do universo da confeitaria.
Então, bater leite condensado com creme de leite de caixinha e um suco concentrado no liquidificador e adicionar gelatina não é mousse. “É creme com sabor e só, não incorpora ar, pois não tem gordura para isso.” Sem preconceitos – só não chame de mousse. “Por aí, a receita brasileira de leite condensado costuma aparecer como mousse, mas, considerando que nem claras em neve ela tem, acho mais apropriado chamar de creme gelado”, confirma Heloisa Bacellar, do site Na Cozinha da Helô. Chamaremos assim daqui para frente, chef.
Mil e uma mousses
Se no caderninho da sua avó ela aparece com gemas e claras em neve, é mousse. No livro de confeitaria da tradicional escola francesa, pede apenas creme de leite fresco batido, o creme fouettée? É mousse. Com os dois? Também é. Adiciona ar, é mousse. São inúmeras as técnicas e todas corretas. Mas qual a diferença, por que complicar algo até então simples? Dependendo do método usado para fazer a mousse, sua textura pode variar, de leve e fofa a cremosa e espessa. Você só precisa escolher a sua preferida, tanto no preparo quanto no sabor.
Simplificando (afinal, isso não é uma tese), existem dois caminhos. O primeiro, mais complexo, onde você faz um creme inglês (mistura e aquece creme de leite fresco, leite, açúcar e gemas no fogo) e, em seguida, usa o calor do creme para derreter o chocolate (a tal ganache). O responsável por dar o ar a essa mistura é o creme fouetté. O resultado é uma mousse mais densa, intensa e cremosa. “O creme de leite traz untuosidade, ele é mais gorduroso”, explica a chef Elisa Fernandes, que estudou e trabalhou na França por alguns anos e hoje comanda o restaurante Clos Wine Bar. A vantagem é um creme mais rico e sem ovos crus.
Gosta dela mais aerada? Aposte nas claras em neve. O método parte de uma ganache de chocolate e manteiga misturada com gemas cruas e, então, acrescida de claras em neve batidas com açúcar (o merengue) ou sem. Isso faz com que a mousse fique aerada e com um sabor muito mais intenso. E, sim, é mais fácil de fazer também.
Mas ovo cru pode? Não, nos restaurantes não pode. Em casa, você que manda. Na teoria, para usar ovos crus, o ideal é que sejam bem frescos. Se você quiser fugir deles, é possível encontrar ovos pasteurizados, vendidos em embalagem de leite, em casas especializadas.
A dica universal, ou melhor, a regra, independente do método, é investir em um bom chocolate – ele é a grande estrela desse show. Procure optar pelos mais amargos, 70% no máximo: eles intensificam o sabor da mousse e ficam menos amargos combinado aos outros ingredientes. Mas pode ser ao leite se você preferir as versões mais doces.
Última dica antes de ir para cozinha. A hora de introduzir as claras em neve ou o creme de leite fresco batido é extremamente importante. Eles são os tais agentes do ar, então muita delicadeza nesses movimentos. Nos dois casos, o ideal é incorporar em três etapas, sempre com uma espátula (nunca com o fouet) e com movimentos de baixo para cima.
Na prática
Aqui apresento a receita que descobri que mais funciona e que entrega tudo aquilo que você espera da uma boa mousse de chocolate – tem bolhas, muitas bolhas, sabor intenso de chocolate, cremosidade e textura aveludada. Empréstimo da chef Elisa. Fiz uma ou outra miniadaptação. São apenas quatro ingredientes, e pouco menos de 20 minutos antes de ir para a geladeira. Veja aqui como fazer mousse
Também não resisti e testei a versão de mousse de chocolate do físico-químico francês Hervé This, principal teórico da gastronomia molecular, que leva apenas um ingrediente, o chocolate. Ela é intensa e cremosa, é quase instantânea, não contém creme ou ovos, bom para quem não pode com eles ou gosta de um desafio.
Depois de me autoproclamar mestra em mousse, decidi arriscar uma versão de fruta – para não falarem que batemos na versão nacional sem dar uma alternativa aos fãs do creme de maracujá. Elisa me passou como ela faria a sua, sem dar quantidades, apenas técnicas. Vasculhei o site da Joyce e encontrei uma versão de chocolate com base de creme inglês, que foi o método sugerido por Elisa.
Substitui o leite pelo suco da fruta, chocolate branco para dar consistência e dulçor, creme de leite fresco batido para a textura e algumas claras em neve a mais – adaptação minha, para um reforço extra na estrutura. Até tirá-la da geladeira no dia seguinte, não estava tão confiante, mas voilà: uma mousse com a polpa da fruta in natura, cremosa, docinha, sem leite condensado, e muito, muito ar. Veja aqui a receita completa da mousse de maracujá.