Sim, São Paulo tem queijo. E queijo bom. Se a capital é terra de todas as tribos, o Estado acolhe todos os tipos de queijo. Cada um pode ser o que quiser. Fresquinho, recém-nascido, de alva leveza. Ou duro, que carrega em sua casca disforme o peso do tempo e do mofo. De jeitão cosmopolita, pomposo ao exibir massa colorida e cheiro pungente. Ou tranquilão, que chega manso aos olhos e ao nariz só para deixar a boca mais intrigada.
Neste domingo, será lançado oficialmente o Caminho do Queijo Artesanal Paulista. O projeto, criado pela reunião de dez queijarias, nasceu para fincar a bandeira queijeira no Estado e divulgar sua grande variedade. O ponto de partida será uma feira na Vila Madalena e um festival em 30 restaurantes da capital (leia mais abaixo).
Sem tradição, história ou receita a ser seguida, a produção de queijos em São Paulo se desenvolveu em uma tela branca, baseada na criatividade dos produtores. Para se ter uma ideia, os dez queijeiros que compõem o Caminho produzem mais de cem variedades diferentes de queijo, com leite cru e pasteurizado de ovelha, cabra, búfala e vaca. A aposta, então, é na inovação.
A Fazenda Santa Luzia, em Itapetininga, faz um inspirado no holandês Edam, que descansa cinco meses em câmaras subterrâneas, recebe sua típica cobertura rosa com beterraba desidratada e ganha o nome de Giramundo. A Atalaia, em Amparo, experimenta com o ecossistema de uma antiga fazenda de café para maturar seus queijos, como o Tulha, único brasileiro a receber medalha de ouro no World Cheese Awards. A Pardinho Artesanal faz o Mandala com leite cru em tachos de cobre. O Capril do Bosque, em Joanópolis, produz o único queijo de cabra maturado com mofo azul do Brasil. Já a Santa Helena, em Jacupiranga, é a primeira a curar queijos de leite de búfala.
O grupo – que se reúne ao redor de um manifesto que prega o caráter artesanal e a origem paulista do leite – já se articula há seis meses e está em contato com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento Estado para pleitear a flexibilização de normas sanitárias e jurídicas. Os produtores também estão abrindo suas portas – ou melhor, porteiras, – para visitação, para incentivar o turismo e aproximar consumidores e produtores rurais. Para o futuro, a ideia é criar um selo de qualidade para as boas queijarias paulistas.
O gosto e o caminho. Queijo paulista gosta de ter nome próprio. Tulha, Porão, Azul do Bosque, Crema, Tropeiro, Braukäse, Mandala... Muitos produtores, depois de desenvolverem uma receita (e em recusa a chamar seu queijo de “tipo qualquer coisa”), batizam a criação com termos que homenageiam pessoas, lugares, histórias. Assim, os queijos do Estado já chegam para o mundo gritando: “eu sou só eu, tenho nome, lugar e identidade”.
O grupo de dez queijarias que forma o Caminho do Queijo Artesanal Paulista é marcado pela diversidade – de tipos de rebanho, quantidade de produtos, tempo de estrada: há desde novatos, como a Rima, que entrou no jogo no começo deste ano, até veteranos como a fazenda Santa Luzia, que começou a apostar na venda de queijos em 1997 – e pela vontade de ver a produção artesanal do Estado crescer e ser reconhecida.
Todos estão se mobilizando para receber visitantes nas fazendas e laticínios. Como a iniciativa é recente, alguns roteiros estão em testes e novas atrações serão inauguradas. Vale ficar de olho.
Para ajudar você a saber o que provar, o Paladar reuniu as principais peças das dez queijarias para uma degustação. Abaixo, conheça a história de cada produtor e confira os resultados da prova, que contou com a participação de Jair Jorge Leandro, autor do livro Queijos: do Campo à Mesa, Geraldo Lima dos Santos, responsável pela seleção de queijos da Casa Santa Luzia, e Falco Bonfadini, da Galeria do Queijo, além da repórter Carla Peralva e da colunista Isabelle Moreira Lima.
Atalaia (Amparo)
“O queijo é vivo. Quem faz tudo é a fazenda, nós só ajeitamos o leite certinho na fôrma”, diz Paulo Rezende, que junto à mulher Rosana não cansa de se impressionar com o poder da Atalaia. A fazenda, que data de 1870, ainda tem construções originais da era do café: casa grande, terreiros de lajotas e tulha, prédio de taipa onde os grãos descansavam após serem secos e que, hoje, é usado para curar queijos. Fora os frescos (prove o iogurte), toda a produção do laticínio (são sete tipos curados, que levam até urucum e alecrim) descansa dentro da tulha, sem controle de calor ou umidade – tudo fica por conta das paredes históricas de barro, que mantêm a temperatura interna estável e fresquinha. A tulha batizou a joia da casa, único queijo brasileiro a levar ouro no World Cheese Award. A fazenda está aberta para visitações, serve café ao ar livre (Rosana toca a cozinha com esmero) e faz tour histórico guiado.Prove. Tulha (R$ 150/kg), maturado por 6, 12 ou 18 meses, tem massa semidura que derrete na boca, casca rosada e sabor complexo, que lembra o grana padano; na degustação, arrancou elogios como “espetacular” e “eletrizante”. Com seis meses, o Porão (R$ 150/kg) tem massa seca; começa adocicado e evolui na boca, cada vez mais salgado. Tel.: (19) 3807-5545.
Capril do Bosque (Joanópolis)
Visitar o Capril é um superprograma. A fazenda tocada por Heloisa Collins e seus filhos, a 79 quilômetros de São Paulo, tem restaurante, tour lúdico para as crianças, passeio técnico para os curiosos, degustação de queijos harmonizada com vinhos e cerveja. Inquieta, Heloisa faz queijos de cabra com mofo azul e branco, frescos e curados, lavados na cerveja e cobertos com carvão vegetal. É uma das agitadoras do grupo que deu origem ao Caminho – tudo começou como “as queijeiras paulistas”, produtoras mulheres que se encontravam em feiras e passaram a se mobilizar. Prove. Azul do Bosque (R$ 38), único queijo de cabra com mofo azul do País, é untuoso, picante, imponente. Serra do Lopo (R$ 40; com barbante em volta), de casca lavada na cerveja, é bem intenso e de amargor moderado. caprildobosque.com.br.
Estância Silvania (Caçapava)
Fazenda especializada em seleção genética de gado desde 1962, a Silvania começou a se aventurar a produzir queijos no ano passado. Camila Almeida viajou, fez cursos e se tornou aprendiz do francês Hervé Mons, um dos maiores mestres queijeiros do mundo. Mas, calma, as criações dessa parceira ainda estão maturando (literalmente). Por agora, a fazenda aposta nos produtos frescos, como ricota, manteiga, creme de leite e iogurte, todos feitos com leite A2, comum em vacas Gir, que pode ser consumido por quem é alérgico às beta-caseínas do leite A1. Prove. Mussarela no soro (R$ 18): as delicadas bolinhas têm sabor suave, acidez leve e textura impressionante. Mussarela em barra (R$ 35): úmida, com textura semelhante a um queijo frescal, é salgadinha, boa para sanduíches. estanciasilvania.com.br.
Santa Luzia (Itapetininga)
A fazenda era dele. A ideia foi dela. Martin Breuer assumiu a criação de gado Simental iniciada por seu pai, engenheiro alemão, no começo da década de 1990. Em 1997, Maristela Nicolellis se mudou para lá com uma ideia na cabeça: fazer queijo. Fizeram cursos, viajaram – enquanto ela aprendia a fabricação e a afinação das peças, ele anotava em segredo especificações técnicas do laticínio e dicas para lidar com o rebanho. Hoje, a produção que começou com uma pequena geladeira na lavanderia conta com quatro câmaras de maturação subterrâneas. O casal produz 18 tipos de queijo, entre frescos (o frescal é cremoso como um requeijão) e curados, todos batizados com nomes que homenageiam a região, a fazenda e os amigos: o Carijó, por exemplo, leva kümmel na massa, o que lembra as pintas da galinha; o Fernão, de massa semidura, é untuoso, bem amanteigado, criação de Maristela para brindar Fernando Oliveira, d’A Queijaria.Prove. Tropeiro (R$ 65/kg), um meia cura envolto em cinzas vegetais com sabor suave e textura supercremosa, seu ponto alto. Braukäse (R$ 72/kg), leva cerveja na massa – no último lote foi usada a Invicta 108, de Ribeirão Preto – e isso fica muito evidente no aroma e no sabor, marcados pelo leve amargor do lúpulo. fazendasantaluzia.com.br.
Santa Paula (São José do Rio Pardo)
Paula Vergueiro é daquelas mulheres que desejam alto e colocam ideias em prática. Formada engenheira ambiental, produz leite há mais de 30 anos. Cria vacas Girolanda no pasto, com bezerros por perto. Começou a fazer queijos com as receitas que sabia de casa e, há cinco anos, abriu as portas da leiteria, focada em queijos de massa fresca. Em vez de fôrmas, usa saquinhos para a fermentação, o que ajuda dar textura cremosa aos queijos. Em todos os produtos, coloca uma folha de hortelã por cima: “é um termômetro natural, se ela estiver bonita, o queijo está fresco”. Prove. Com textura quase de iogurte e sabor delicado, o queijo fresco (R$ 25) vai brilhar na mesa do café. Já o Fermier (R$ 28) vai bem como tira-gosto, pequenas bolinhas de acidez alta, temperadas com pimenta, salsinha e alho. Tel.: (19) 99776-8645.
Dona Carolina (Porangaba)
Fernando Borges ilustra a história de diversos produtores de queijo do Estado. Trabalhando com gado leiteiro há três anos, vendia sua produção para a indústria e as contas não fechavam. Uma saída? Fazer queijo. Sua mulher, Ana Carolina Caetano, viajou por Brasil, França e Espanha para aprender sobre produção e maturação. Hoje, fazem um tipo de queijo (tanto com leite cru, quanto com pasteurizado) e doce de leite. A produção não leva nenhum fermento externo, apenas o pingo natural do leite e os “bichos da floresta”. É possível agendar uma visita à fazenda com almoço feito no fogão a lenha, com porco ou cordeiro assado, por exemplo.Prove. Dona Carolina com mais de 70 dias de maturação (R$ 97, o quilo): com leite de gado holandês, é aromático, com interior cremoso e suave e casca levemente picante. Tel.: (11) 96020-1111.
Pardinho Artesanal (Pardinho)
Cuesta é uma forma de relevo assimétrico, onde colinas têm declives ora suaves, ora íngremes. Ele batiza os principais queijos da Pardinho, que se valeu da geografia privilegiada da serra para criar caves subterrâneas de maturação. A família Mineiro, que cria gado de raça na fazenda Sant’Anna há mais de 40 anos, passou a se aventurar na produção de queijos há cinco, com a ajuda de um especialista francês. Por enquanto, a loja da fazenda abre apenas às sextas, das 14h às 17h.Prove. Cuesta azul (R$ 98, o quilo), maturado por quatro meses com mofo azul, é macio, untuoso, levemente salgado. Mandala (R$ 105, o quilo), feito de leite cru em tachos de cobre e maturado por 18 meses, é dourado, surpreendente, com sabor picante e amendoado. Tel.: (14) 3882-8666.
Rima (Porto Feliz)
A Rima é a concretização de um projeto de vida. O jovem casal Ricardo Rettmann, gestor ambiental, e Maria Clara Serra, jornalista, foi morar no campo, no sítio da família em Porto Feliz, no início deste ano. E começou a trabalhar o pequeno rebanho de ovelhas da raça Lacâune para tirar leite e produzir queijos com as próprias mãos. Os animais se alimentam de pasto e são cuidados como filhos pelos produtores, que viajaram por Portugal e Espanha para aprender técnicas de manejo e produção. Hoje, vendem queijos frescos e um doce de leite feito no fogão a lenha. Em breve, devem chegar ao mercado exemplares de queijos curados, que ganham personalidade em um antigo silo encravado em um morro convertido em caverna de maturação, com parede de tijolos e umidade controlada.Prove. Queijo fresco (R$ 18), suave e adocicado, e boursin (R$ 19), pungente e bem temperado. queijariarima.com.br
Santa Helena (Jacupiranga)
Pedro Paulo Delgado não para de criar. É o responsável pelos primeiros queijos de leite de búfala curados do Brasil. Para o mais recente, batizado de Vale do Ribeira, ele tem grandes ambições: que se torne um queijo tradicional da região. Neste domingo, lançará quatro novas criações: Pai do Mato, maturado sobre cinzas, homenagem aos tropeiros; Ambrosio, coberto por cera de abelha; e dois lavados em cachaças, de cataia e de sassafraz (plantas tradicionais da região). A fazenda oferece visitação e cursos. Prove. Vale do Ribeira (R$ 80/kg), meia cura suave e de leve amargor na casca. Crema (R$ 10) foi inspirada na burrata, mas o sabor deixa claro que é 100% búfala; o recheio é supercremoso e a mussarela externa tem textura perfeita. laticiniosantahelena.com.br
Montezuma (São João da Boa Vista)
Há 22 anos, o agrônomo Fábio Pimentel decidiu criar búfalas nas terras da família. Começou com cinco cabeças e uma pequena produção de frescal. Vendia para amigos e pequenos mercados – tudo entregue de Fusca. A demanda foi crescendo, a curiosidade aumentando, ele foi à Itália fazer cursos e, hoje, produz 24 tipos como ricota, burrata e nozinho, além de manteiga e doce de leite.Prove. Mussarela fresca (R$ 34,50), com casca filada bem definida, miolo bem macio, perfeitamente salgada e sabor do leite de búfala bem pronunciado. latmontezuma.com.br
SERVIÇO
Se você quer queijo, chegue aqui. A Casa Samambaia (R. Gonçalo Afonso, 65, Jd. das Bandeiras) receberá a feira do Caminho do Queijo Artesanal Paulista neste domingo, 3. Das 10h às 17h, os dez produtores do grupo estarão lá vendendo seus queijos. Também haverá cervejas (Júpiter), vinhos em taça (Bodega do Beato), meles (MBee), pães (Iza Tavares) e sanduíches (Deli Garage). A entrada é gratuita.
Nesta sexta, 1, até o dia 17/9, restaurantes da capital servirão pratos com queijos paulistas. Entre as casas, Esquina Mocotó, A Casa do Porco, Le Jazz, Carlos Pizza, Cateto, Bullguer, Comedoria Gonzales e Lá da Venda. A programação completa você confere aqui.
A Casa Santa Luzia terá degustação de queijos paulistas nesta sexta e sábado, dias 1 e 2 de setembro.
Onde comprar
A Queijaria. R. Aspicuelta, 35, V. Madalena, 3812-6449Galeria dos Queijos. R. Gen. Chagas Santos, 815, lj. 6, Saúde, 2639-9206Mestre Queijeiro. R. Simão Álvares, 112, Pinheiros, 2369-1087Casa Santa Luzia. Al. Lorena, 1.471, Jd. Paulista, 3897-5000Armazém do Mineiro. R. Azevedo Soares, 1.653, V. Gomes Cardim, 2309-4847Armazém São Paulo. R. Pedro Cristi, 89, Pinheiros, box 11 e 12, 3031-1012Quitanda. R. Mateus Grou, 159, Pinheiros, 3060-3230Sabor e Cia. R. Capote Valente, 386, Pinheiros, 3064-8172Empório Santa Maria. Av. Cidade Jardim, 790, Itaim Bibi, 3706-5211
Informações: caminhodoqueijopaulista.com