Houve um tempo em que restaurantes exibiam pratos com flores comestíveis ornamentais como amor-perfeito e até orquídea. Mas os chefs ficaram minimalistas, os brotos de hortaliças viraram o toque final das receitas e, com eles, apareceram florzinhas minúsculas. Elas nascem com seus legumes e temperos, como dill, brócolis, nabo e rúcula, e trazem em geral o sabor intenso da própria hortaliça.
Chamam a atenção justamente na primavera porque a época é boa para ervas florirem, explica Déborah Orr, da Dro Ervas e Flores. “Temos flores que dão o ano inteiro, e outras sazonais. Capuchinha e calêndula são de inverno. Flores de ervas são de primavera”, conta ela, que está há 20 anos no mercado e tem cerca de 40 variedades de flores comestíveis em catálogo.
Daí flores de temperos como coentro e salsinha terem inundado pratos de restaurantes como Mensa, Tuju, Evvai, Maní, Petí e Komah. O chef Rafael Navarini usa flores em pratos desde a abertura do Mensa, em abril. Meses atrás, servia uma sobremesa de creme de iogurte com flor de mel. Agora, criou para a primavera uma tartelette de gergelim preto com recheio de alcachofra finalizada com flores à disposição no dia, como as de coentro, salsinha e nabo.
Em seu steak tartare com creme azedo, gema e abacate, podem entrar as flores de mel, de dill e de brócolis. “Brócolis a gente consegue o ano inteiro, mas tem época para ser melhor, no inverno. Daí tem flor”, conta o chef, que recebe variedades sortidas da Fazenda Maria e da Santa Adelaide. Como no caso dos brotos de hortaliças, quando o chef não tem uma flor à mão, outras substituem a finalização, mas a atenção deve ser maior, pois o sabor da flor é mais intenso do que o do broto.
“Parece que a flor concentra micropartículas de sabor, você sente o sabor profundo da hortaliça”, diz Helena Rizzo ao falar da salada de mamão com leite de coco, coentro e flor de coentro, do seu menu-degustação. “A flor tem sabor de coentro, bem intensa, mas ao mesmo tempo delicada. A de mostarda tem picância, sabor de raiz forte.”
Helena Rizzo usa flor como tempero no Maní há muitos anos. Nos idos de 2009, já colocava borago na salada waldorf (gelatina de maçã com sorbet de aipo) e usava flor de jambu e crisântemo no prato maniocas (tubérculos e tucupi).
Borago é uma de suas preferidas, tem sabor que lembra mar, diz, e era colocada numa velouté de ostra que acabou de sair do cardápio. Mas outras flores estão em cartaz, fornecidas pela Dro e pela Ervas Finas, como a de calêndula (nos tortéis de abóbora), a de alho (lámen de lula) e ainda a flor de sabugueiro e a de erva-doce, que vão num prato de abobrinha que aparece no menu-degustação.
Disponibilidade
Praticamente impossível de se encontrar em feiras, as flores têm um cultivo mais complexo. No caso das flores de ervas, que nascem lateralmente ou no topo dos talos, elas em geral são a última coisa a crescer. Leva-se tempo.
Em outras plantas, como é o caso do gergelim ou da pimenta, a flor carrega o futuro fruto e a escolha fica difícil: fica-se com a flor ou com o fruto? A coreana Myung Yul Shin Lee, mãe do chef Paulo Shin (Komah), prefere ficar com a flor, que fornece para o filho.
Desde que o restaurante abriu, em 2016, ela fornece variadas hortaliças, como cebolinha, hortelã e alecrim, além de cogumelos e brotos. Há cerca de quatro meses, as flores entraram no circuito.
Dona Myung cultiva as plantas em casa, na Serra da Cantareira, há sete anos. Traz para o Komah flores como as de gergelim selvagem, nabo, manjericão, begônia, capuchinha, coentro, salsinha, sálvia, cebolinha e pimenta (coreana).
Paulo Shin as usa de modo sortido em dois pratos: o dolsot bibimbap (mexidão de arroz) e o japchae (macarrão vegetariano). “A flor dá mais complexidade de sabor que o broto de folhagem. É muito intenso”, diz. “A capuchinha é muito louca, é ardida, mas o talo é doce. Begônia eu nem sabia que era comestível”, conta ele sobre a flor de sabor cítrico, que lembra limão.
Uma sobra da produção de dona Myung recentemente foi parar nas mãos de Victor Dimitrow, que tinha no Petí até semana passada o ravióli de flores (capuchinha, tagete, amaranto) e o carapau com gazpacho de uva e flor de rúcula. Com a temporada, entram novidades em pratos nos próximos dias, fornecidas pela Ervas Finas e pela Dro.
As duas empresas, que focam em brotos, flores e ervas, atendem também casas como o Tuju e o Evvai. No Tuju, Ivan Ralston coloca flor de sabugueiro na panna cotta de couve-flor com caviar de quiabo e mel de mandaçaia; flor de manjericão na torta de tomate momotaro com alho negro; e ainda flor de coentro na lambreta com vinagre de pitanga.
Já no Evvai, Luiz Filipe Souza costuma usar flores como a de mel, a estrelinha, a borboletinha e a phlox para finalizar a paleta de cordeiro (do almoço) e o pato com tucupi e mandioca (do menu-degustação).
Para quem quiser embelezar jantares de fim de ano e impressionar amigos, a Dro também atende pessoa física: o kit com 40 florzinhas variadas sai por R$ 23 (encomendas pelo e-mail droervaseflores@hotmail.com).
As rainhas de todas as flores
Apesar de muitas flores brotarem bem quase o ano todo, algumas são regidas rigidamente pela sazonalidade, como a alcachofra e a flor de abobrinha. Mais do que decorar pratos, essas flores são o ingrediente em si – usadas como legumes em preparos em que são protagonistas.
No caso da de abobrinha, cuja flor amarela tem textura delicada (não como a de alcachofra), seu uso é clássico na Itália. Foi lá que ficou famoso o jeito de servi-la recheada (geralmente com algum queijo, como ricota) e depois frita ou assada.
No Tuju, Ivan Ralston abriu e esmagou a flor para fazer uma lâmina (desidratada), que virou o prato mil-flores (em alusão a um mil-folhas) no novo menu de primavera. Entre uma lâmina de flor e outra, vai um recheio de musse de queijo de cabra, abóbora refogada e pesto de azedinha.
Na Bráz Trattoria, a pizza de flor de abobrinha (que também leva purê do legume e creme de burrata com ricota) ficou em cartaz até outubro e agora segue para outras casas do grupo, como a Bráz de Moema e o Quintal do Bráz, aproveitando a temporada.