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Comida

Mate além da cuia: erva brasileira cai no gosto de produtores e chefs

Planta típica da Mata Atlântica, conhecida como o chá brasileiro, ganha destaque em novos produtos e usos na gastronomia

Quem disse que mate é bom só na cuia?. Foto: Daniel Teixeira/Estadão Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Olha o Maaate!” O grito do vendedor da bebida refrescante leva qualquer um diretamente para as areias do Rio de Janeiro. Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, a erva-mate tem outro destino: a cuia do amargo chimarrão. Na quente Campo Grande, ela surge geladinha no tererê, perfeita para aplacar o calor. 

Quem disse que mate é bom só na cuia? Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O mate é o “chá” nacional, já que a Camellia sinensis – única planta que pode ser corretamente chamada de chá – é oriunda do Oriente. Já a erva-mate é nativa da Mata Atlântica, uma planta ancestral guarani, considerada sagrada e, até então, restrita aos citados usos tradicionais. Mas, nos últimos tempos, as folhas de Ilex paraguariensis (seu nome científico) conquistaram novos territórios. 

“A erva-mate pode ser muito mais que uma bebida típica de uma região, o seu potencial vai além deste uso e está cada vez mais em expansão. Pode ser tempero, ingrediente para cozinhar ou empregar na mixologia”, conta Carla Saueressig, sommelier e professora de chás e infusões, que desde 1999 trabalha para difundir o mate na gastronomia brasileira. 

Tererê Foto: Tadeu Brunelli/Estadão

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Viajando por todo território nacional nas mãos de Carla, a erva caiu nas graças de diferentes chefs e produtores. No último ano, em parceria com a MBee, lançaram o mel com mate. “Juntamos o sabor herbal da erva-mate com a doçura e complexidade do mel de terroir”, conta, orgulhoso, Eugenio Basile, à frente da marca de méis.

As folhas de erva-mate são moídas à mão, em um moinho de pedra, até ficarem miúdas feito pó e então misturadas ao mel de apis. O resultado é um mel mais cremoso, com sabor e cores intensas. “Um equilibra o outro”, explica Basile. Pode ser harmonizado com iogurtes, sucos, drinques ou servido como calda de sorvete, como sugere Eugenio. Disponível no site da Mbee

O mel com mate da MBee Foto: Eugenio Basile

Mate com borbulhas

Os sócios da Cia. dos Fermentados, Fernando Goldenstein e Leonardo Andrade, também merecem reconhecimento nesta jornada. Desde que começaram a produção dos seus kombuchas, em 2016, sempre investiram e advogaram – inclusive em Brasília – pela troca da erva-mate no lugar do tradicional chá verde na preparação da bebida fermentada, que virou moda nos últimos anos.

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“Nossa missão sempre foi o resgate de técnicas ancestrais com viés brasileiro, utilizando os insumos tropicais. Temos abundância de erva-mate no nosso território, enquanto a Camellia é gringa, e com produção escassa por aqui”, explica Fernando. 

Kombucha de mate da Cia dos Fermentados Foto: Cia dos Fermentados

Atualmente, eles fervem cerca de 200 litros de erva-mate por temporada para compor três kombuchas: mate torrado com limão, seguindo a receita carioca; chimarrão com infusão de erva-doce; e mate com guaraná. Todos disponíveis no site da marca. “O mais bacana é ver como a fermentação age no sabor da erva, diferentemente do que acontece no kombucha de chá verde, o mate perde aquele amargor, perfeito para os menos acostumados.” 

A combinação do mate com outros insumos também foi a aposta da Inovamate, empresa gaúcha que trabalha a erva em diferentes formas para divulgar e disseminar o produto para o restante do País. “Para uma representante de presença tão marcante no nosso território, o uso dela sempre me pareceu limitado. Ela vai muito além do chimarrão ou do mate torrado das praias do Rio, e é isso que queremos mostrar”, conta a geógrafa Ariana Maia, proprietária da marca.

Pensando nisso, ela desenvolveu ao lado do marido, Clóvis Roman, blends de infusões com as folhas verdes da planta e ingredientes típicos de outras regiões do Brasil. 

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Blends da Inovamate servidos no Cuia Café da chef Bel Coelho Foto: Tiago Queiroz/Estadão

No blend Centro-Oeste, por exemplo, a erva é misturada com buriti, abacaxi e gengibre, enquanto no Norte, são integrados laranja, pimenta-rosa e funcho. “A ideia é regionalizar o mate. Achamos interessante colocar algum outro ingrediente para as pessoas terem mais facilidade de provar, mostrando que é possível saboreá-lo em qualquer lugar do País”, conta a carioca, que há mais de 10 anos mora em Ilópolis, polo produtor da erva no Rio Grande do Sul – a própria etimologia da palavra (em que “Ilo” significa erva e “polis”, cidade) demonstra a importância dela para a região. 

Seus blends já podem ser encontrados em São Paulo. Com a ajuda de Carla, eles foram parar nas mãos de grandes chefs, como Bel Coelho, que oferece as infusões no cardápio do seu restaurante Cuia, no Copan

Combinado a outros igredientes, o mate também está cada vez mais comum nos cardápio da cidade, seja com ou sem álcool. No Chez Chaude ele aparece combinado com vodca, tamarindo, maple e limão, enquanto no Rios ele é oferecido com xarpe de gengibre abacaxi. 

Mate no drinque. Com vodca, tamarindo, maple syrup, suco de limão no Chez Claude Foto: Tati Frison

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Matcha de mate

Seguindo os mesmos passos do matcha japonês, que ganhou o mundo da confeitaria, a erva-mate em sua versão em pó fino (a mesma usada pela Mbee), que carinhosamente foi apelidada de matchamate pela nutricionista Neide Rigo, também anda chamando a atenção dos chefs por aqui. Segundo Carla, ele é um produto versátil, feito apenas com folhas selecionadas, que são trituradas em um moinho de pedra e então peneiradas, até virar um pó semelhante a um talco. 

Ariana já produz o tal matchamate na Inovamate, mas em pouca quantidade, por causa da dificuldade do processo, e para poucos chefs, entre eles a renomada confeiteira Saiko Izawa, que ficou encantada com o produto desde o primeiro contato, intermediado por Carla, claro.

Cheesecake de erva-mate quea confeiteria Saiko Izawa criou especialmente para o Turismate Foto: Saiko Izawa

“Gosto muito do retrogosto amargo do matcha para compor sobremesas, e o mate, diferente do chá japonês, não perde sua cor vibrante quando em contato com calor. E ainda consigo trabalhar com um ingrediente brasileiro, algo que sempre busco nas minhas criações”, conta Saiko, atualmente à frente da confeitaria do recém-inaugurado Hotel Rosewood, em São Paulo. Ali ela serve um bolo fondant de chocolate com recheio cremoso de erva-mate. “Surpreende pelo contraste de cores e pelo sabor marcante.” 

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A tendência também chegou a Salvador. No restaurante Manga, a chef confeiteira Katrin Bassi já fez sorvete e picolé com a erva. “O chá combina bem com cítricos”, diz. Abordagem parecida com a do chef Raphael Vieira, do 31 Restaurante, em São Paulo, que serve picolé de pepino, pimenta cambuci e mate tostado reduzido, no seu menu-degustação mais recente. "O defumado do chá, contrapõe com o frescor do pepino", explica o chef.

Picolé de pepino, pimenta cambuci emate reduzidodo chef Raphael Vieira, do 31 Restaurante Foto: Gabriela Queiro

O ingrediente foi parar no livro da confeiteira Joyce Galvão, lançado no ano passado: Ingredientes para uma confeitaria brasileira (Companhia de Mesa). “"Utilizado de maneira correta, ele, que é bem potente, não sobressai e pode ser trabalhado quase como uma especiaria, quando não estiver no lugar de protagonista.”, expõe.   

O que é a erva-mate? 

A Ilex paraguariensis, típica da Mata Atlântica, nasce em uma árvore de até 12 metros de altura. É encontrada no Sul e no Centro-Oeste do Brasil e no norte da Argentina, Paraguai e Uruguai. Sendo que no Brasil, o mairo produtor, tem sua produção concentrada nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. 

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Planta típica da Mata Atlântica, a erva-mate ganha novos significados Foto: Carla Saueressig Schinke

O que muda é o seu processamento. No chimarrão, as folhas e ramos, depois de secos, são triturados e peneirados – com uma composição de 70% folha e 30% talo. Para o tereré, passa por uma peneira mais grossa – usa-se 50% de erva reduzida a pó e 50% de talo. Para o chá-mate, ela é ainda tostada. 

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