Ainda que seja uma figura presente na mesa dos brasileiros, a sardinha costumava passar longe dos cardápios de restaurantes. Afinal, o preço baixíssimo, a dificuldade de vencer a espinha do peixe e o gosto forte, bem característico, fizeram com que chefs dessem um passo para trás para trabalhar com outros peixes. Mas, nos últimos tempos, a sardinha começou a ganhar seu próprio protagonismo ao vencer o preconceito e a entrar no menu.
Hoje, o principal preparo da sardinha é o mais tradicional e rebuscado possível: assada na brasa, acompanhada de broa de milho, batatas e vinho. No Rancho Português, especificamente na unidade do restaurante na Avenida dos Bandeirantes, é servida assim em ocasiões especiais, no Festival da Sardinha. A casa coloca uma grande churrasqueira na área externa, enquanto o cliente paga um preço único e pode comer à vontade.
Deu muito certo: agora, o festival acontecerá em outras duas unidades da casa, em Mairiporã e no restaurante da Castelo Branco. “Sai uma tonelada de sardinha em dois dias de festival”, conta Valdeci Castro, gerente geral do Rancho Português São Paulo. “É um hábito cultural de Portugal, de colocar a brasa na rua na época de pesca da sardinha, e servir assim, inteira, com broa e batata. Felizmente, o hábito deu certo no Brasil também”.
Outro restaurante que abraçou esse hábito é o Taberna 474, restaurante de frutos do mar no Jardim Paulistano. No cardápio, o peixe é servido nesse modo tradicional, direto na brasa. No entanto, a casa também passou a fazer outras experimentações com o prato: cru de sardinha com salsa e limão, escabeche e um sanduíche, servida assada com cebola. “O que mais sai, disparado, é a sardinha na brasa”, diz Luis Felipe Moraes, dono do Taberna 474 e da Adega Santiago. “Afinal, nem todo mundo que gosta de peixe, gosta de sardinha”.
Sardinha? Sim, senhor!
A sardinha também está batendo ponto com frequência nos restaurantes de culinária japonesa. A iguaria já é bastante utilizada nos restaurantes do Japão, mas demorou a ter o espaço que merece nas casas brasileiras. Jun Sakamoto é um dos pioneiros do omakase no Brasil -- sistema em que o chef surpreende o cliente, com preparações que variam -- e de servir sardinha em seu serviço. Não é pra menos: ele conta que o melhor sushi que já comeu na vida foi um de sardinha, servido no cobiçado Sukiyabashi Jiro Honten.
“Ainda existe muito preconceito com a sardinha, por isso é tão interessante usá-la aqui no omakase. Você come, nesse sistema, coisas que você não pediria normalmente”, explica Jun Sakamoto, atrás de seu balcão em Pinheiros. Ele serve a iguaria marinada e com uma pitada de gengibre ralado. Quem provou afirma que é uma explosão de sabores na boca -- não à toa, já foi eleito como um dos 100 melhores pratos do ano, segundo Paladar.
Jun, porém, ainda vê muito preconceito ao redor da sardinha. Nas reflexões do chef, enquanto prepara o omakase, surge um brilho no olhar ao ser questionado se ele serviria sardinha no Junji Sakamoto, restaurante mais informal do chef em um shopping de São Paulo. “Não, não serviria”, crava ele enquanto prepara um delicioso (e também improvável) tempurá de enguia. “A sardinha está chegando em um lugar cheio de ironia. Apesar de ser um produto muito barato, é encarado como algo sofisticado nos restaurantes”.
O chef Gérard Barberan, responsável pelas operações do restaurante japonês Kuro, sabe disso -- segundo ele, não é todo mundo que quer sair de casa para comer sardinha. No entanto, no omakase do restaurante, ela aparece de várias formas, desde pratos quentes, passando por escabeche de sardinha até chegar na versão mergulhada em shoyu ou marinada em vinagre. “É um peixe muito versátil, saudável, com muito ômega 3”, explica. “A gente tem a missão de educar e mostrar coisas boas. Se a pessoa não comer um bom prato de sardinha no restaurante, dificilmente vai comprar sardinha no mercado depois”.
Barata e difícil de achar
Apesar desse sucesso da sardinha, todos os chefs dizem em uníssono: não é tão fácil achar sardinha boa no mercado. Na visita ao restaurante de Jun Sakamoto, a reportagem não conseguiu provar a iguaria. “Tá realmente difícil de encontrar”, disse o chef, bem no início do serviço. “Às vezes ela chega muito, muito magrinha. A gente tem que fazer todo um trabalho de salvar o peixe antes de realmente colocá-lo no omakase do dia”.
No Rancho Português, que chega a importar entre 10 e 12 toneladas de sardinha portuguesa por ano, é preciso ter organização. “Sardinha portuguesa não é fácil, não. Logo no começo do ano, fazemos uma programação com os importadores que já conhecemos, que sabemos da procedência e qualidade. Se a gente deixar pra depois, não tem como. Não tem jeito. Quando começa a pesca, já começam a fazer a importação para nós”, diz.
Barberan diz que celebra quando encontra sardinha no mercado. “É o peixe fresco mais barato do Ceagesp. Sai por R$ 6 ou R$ 8 o quilo. Não tem igual”, explica. “No entanto, talvez até por ser um peixe tão barato, fica difícil achar sardinha de qualidade. Alguns barcos trabalham bem, outros nem tanto. O processo de algo que é barato se torna pior, principalmente na parte de logística. Mas está tendo uma evolução enorme, com as pessoas percebendo que temos sardinhas maravilhosas pescadas aqui no litoral do Brasil”.